O impacto das mídias digitais na televisão brasileira:
queda da audiência e aumento do faturamento

El impacto de los medios digitales en la televisión brasileña:
caída del rating e incremento de la facturación

The Impact of Digital Media on Brazilian TV:
Ratings Drop and Higher Turnover

Valdecir Becker1, Daniel Gambaro2, Guido Lemos de Souza Filho3

1 Professor do Programa de Pós-Graduação em Jornalismo (PPJ) da Universidade Federal da Paraíba - UFPB. Doutor em Ciências, Escola Politécnica da Universidade de São Paulo - USP. Brasil.
valdecir@ci.ufpb.br

2 Professor da Faculdade de Comunicação da Universidade Anhembi Morumbi - UAM, Mestre em Ciências da Comunicação, Escola de Comunicação e Artes da Universidade de São Paulo - USP. Brasil
dgambaro@usp.br

3 Professor do Programa de Pós-Graduação em Informática (PPGI) da Universidade Federal da Paraíba - UFPB. Doutor em Ciências da Computação, Pontífice Universidade Católica - PUC-Rio. Brasil.
guido@lavid.ufpb.br

Recibido: 2014-11-05
Enviado a pares: 2014-11-06
Aprobado por pares: 2015-02-20
Aceptado: 2015-02-28

DOI: 10.5294/pacla.2015.18.2.3

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Becker, V., Gambaro, D., Souza Filho, G.L. Junio de 2015. O impacto das mídias digitais na televisão brasileira: queda da audiência e aumento do faturamento. Palabra Clave 18 (2), 341-373. DOI: 10.5294/pacla.2015.18.2.3


Resumo

Este artigo discute a audiência da TV brasileira entre 2000 e 2013, período em que a audiência média da TV aberta caiu 28%. Por meio da investigação empírica e análise estatística, o objetivo deste trabalho é encontrar as causas para essa diminuição e apontar tendências do comportamento da audiência para os próximos anos. A comparação estatística entre essa queda da audiência com o aumento de assinantes de TV por assinatura e o crescimento do acesso à internet de banda larga mostra que há uma migração de público da TV aberta para esses dois meios. O fenômeno se acentua a partir de 2006, quando a TV por assinatura começou a crescer em média 30% ao ano, e a internet, 26%. A pesquisa aponta também que, até o momento, o impacto econômico dessa migração foi pequeno para as emissoras. As receitas das empresas de radiodifusão aumentaram no referido período, o que mostra que o mercado ainda não absorveu as mudanças provocadas pelas novas tecnologias de comunicação. Como parte da metodologia, o artigo também apresenta projeções dos índices de audiência para os próximos 14 anos analisando dois cenários diferentes de comportamento do público e uso das duas principais tecnologias de comunicação no país. Assim, este artigo oferece uma compreensão atualizada sobre os fenômenos de migração de audiência entre diferentes mídias.

Palavras-chave

Pesquisa de audiência, migração, televisão, novas mídias, projeção, investimento publicitário. (Fonte: Tesauro da Unesco).

Resumen

El artículo discute el rating de la televisión brasileña entre 2000 y 2013, periodo en que el rating promedio de la televisión abierta cayó al 28%. Por medio de la investigación empírica y análisis estadística, el objetivo de este trabajo es encontrar las causas para esa disminución y apuntar tendencias del comportamiento de la audiencia para los próximos años. La comparación estadística entre esa caída con el incremento de inscriptos a la televisión por cable y el crecimiento del acceso a internet de banda ancha enseña que hay migración de público de la televisión abierta para estos dos medios. El fenómeno se acentúa a partir del 2006, cuando la televisión por cable empezó a crecer en promedio 30% al año y el internet, 26%. La investigación señala también que, hasta ahora, el impacto económico de esa migración ha sido pequeño para las emisoras. Las recetas de las empresas de radiodifusión aumentaron en el referido periodo, lo que muestra que el mercado aún no ha absorbido los cambios provocados por las nuevas tecnologías de comunicación. Como parte de la metodología, el artículo también presenta proyecciones de los índices de rating para los próximos 14 años analizando dos escenarios diferentes de comportamiento del público y uso de las dos principales tecnologías de comunicación en el país. Así, este artículo ofrece una comprensión actualizada acerca de los fenómenos de migración de rating entre diferentes medios.

Palabras clave

Investigación de rating, televisión, nuevos medios, proyección, inversión publicitaria. (Fuente: Tesauro de la Unesco).

Abstract

The article discusses the Brazilian television rating between 2000 and 2013, during which the average rating of broadcast TV fell 28%. Through empirical research and statistical analysis, the aim of this study is to find the causes for the decline and target the audience behavioral tendencies for the coming years. The statistical comparison between this fall with increasing subscribers to cable television and the growth of access to broadband internet shows that there is migration open to public TV audience for these two media. The phenomenon is accentuated from 2006, when cable television began to grow on an average of 30% a year and the internet, 26%. The study also points out that, so far, the economic impact of this migration has been small for broadcasters. Recipes for the broadcasting companies increased in the said period, showing that the market has not yet absorbed the changes brought about by new communications technologies. As part of the methodology, the article also presents projections rating indexes for the next 14 years analyzing two different scenarios of the public's behavior and use of the two main communication technologies in the country. Thus, this article provides an updated understanding on the phenomena of rating migration between different media.

Keywords

Research rating, television, new media, projection, advertising investment. (Source: Unesco Thesaurus).



Introdução

A televisão é o maior veículo de comunicação do Brasil, tanto em alcance quanto em faturamento. Pesquisas têm mostrado que 65% dos brasileiros assistem à televisão aberta todos os dias da semana, com uma média diária de 3h30min (Brasil, 2014, p. 19). É a mídia de maior penetração no país, presente em 97% das residências (IBGE, 2012). No Brasil predomina a TV aberta. Apesar do crescimento de mais de 200% nos últimos cinco anos, a TV por assinatura atinge pouco mais de um terço da população (Brasil, 2014; Anatel, 2014). Comparativamente com a internet, a televisão desempenha um papel ainda mais importante, uma vez que 53% da população nunca acessa a rede mundial de computadores (Brasil, 2014, p. 48).

A dificuldade de acesso a outras mídias tem mantido a televisão no posto de maior e principal fonte de acesso à informação e produção cultural. Historicamente, a população brasileira se informa pela televisão (Hoineff, 2001), resultado de um processo de consolidação do meio, impulsionado por uma combinação de fatores políticos e econômicos. Durante os anos em que o Brasil atravessava uma ditadura militar, especialmente a década de 1970, o governo apoiou o desenvolvimento de um meio de comunicação forte, capaz de unir ideologicamente o país por meio de uma sensação de unidade da população. Foi então instaurada uma política cultural com objetivos claros, conhecida como projeto de integração nacional, cujo sucesso se deve principalmente à TV. Tal política foi responsável pelo avanço de uma infraestrutura para criação de redes de televisão, censura da programação e o fortalecimento de empresas de comunicação que, forçosamente ou não, estiveram alinhadas com o governo militar. Com o fim da ditadura em 1986, dois caminhos paralelos se desenvolveram: as grandes redes de TV permaneceram enraizadas no cotidiano da população e houve a manutenção do sistema de operação da televisão —então capaz de gerar poder político graças ao alcance praticamente universal (Bucci, 1997)—.

Outro processo se desenvolveu no mesmo período: muitas emissoras de TV pioneiras no país, instaladas nos anos 1950, foram fechadas ou faliram, enquanto outras surgiram, o que deu origem ao cenário atual. Cinco emissoras se destacam nesse processo histórico e são, hoje, as únicas que possuem média de audiência diária superior a um ponto percentual. Desde a década de 1970, a líder de audiência é a Rede Globo, emissora que iniciou operações e se desenvolveu durante a ditadura. A Rede Globo possui hoje 122 geradoras espalhadas pelo país (Grupo de Mídia São Paulo, 2014), o que a torna a maior emissora do país e a qual recebe mais de 50% do investimento publicitário na televisão. Possui, na média diária, 13,6% da audiência.

Brigando pelo segundo lugar na audiência aparecem a TV Record, vinculada à Igreja Universal do Reino de Deus (IURD), e o Sistema Brasileiro de Televisão (SBT), do empresário e apresentador Silvio Santos. A primeira é uma das poucas emissoras da primeira fase da TV, anterior aos anos 1960, que resistiu a diferentes crises administrativas e econômicas. Sua boa posição hoje, no entanto, se deve principalmente aos investimentos da IURD a partir dos anos 1990. O SBT surgiu com a união de empresas que já eram do empresário Silvio Santos e uma série de concessões transferidas no período final da ditadura militar, nos anos 1980. Apesar da proximidade dos índices de audiência, o SBT possui mais geradoras. São 98, contra 56 da TV Record.

Em quarto lugar, com média de 2,36% em 2013, está a TV Bandeirantes, seguida pela Rede TV, com 1% de audiência. A Bandeirantes também é uma concessão recebida durante o período de expansão da TV, no final dos anos 1960, o que a ajudou a se consolidar nesse cenário nacional. Possui atualmente 50 geradoras. A Rede TV, por outro lado, foi criada a partir da compra da massa falida de outra empresa, a TV Manchete, e tem hoje 40 geradoras. A TV Manchete, por sua vez, foi criada no mesmo momento —e da mesma forma— que o SBT, mas erros estratégicos na direção da programação e carência de administração acabaram levando a rede à falência nos anos 1990.

Considerando o bolo publicitário de todo o mercado brasileiro, o setor de radiodifusão comercial responde por dois terços do investimento. Segundo dados divulgados no Mídia Dados Brasil (Grupo de Mídia São Paulo, 2014), 66,5% do total investido em publicidade em 2013 foi destinado à TV aberta. Como forma de comparação, o rádio obteve 4,1%, a TV por assinatura, 4,9%, e a internet, 4,5%.

Apesar desse predomínio, a televisão aberta tem enfrentado constantes quedas nos índices de audiência. A quantidade de TVs ligadas diminui ano após ano, e as emissoras já perderam 28% da audiência desde o ano 2000. São, em média, dois pontos percentuais a menos na audiência somada dos cinco maiores canais comerciais por ano. Os principais e mais tradicionais programas, como as novelas, os telejornais e os reality shows, estão com a audiência em declínio. Em termos absolutos, a TV aberta perdeu, na Região Metropolitana de São Paulo, a audiência de 1,15 milhões de pessoas nos últimos 14 anos.

O objetivo deste artigo é investigar e quantificar estatisticamente o comportamento da audiência da TV brasileira neste século. Para tanto, pretende mostrar de quanto é a queda acumulada ao longo dos anos, se ela é constante ou se há momentos de recuperação, comparar com a quantidade de TVs ligadas, identificar se ocorreram impactos no faturamento e em que magnitude, e projetar cenários futuros para a TV aberta brasileira.

Para responder a essas questões, foram analisados os índices de audiência da TV brasileira entre os anos 2000 a 2013. A partir da média diária de cada emissora, das 7h00 às 24h00, obteve-se a média mensal e, a partir dessa, a média anual. Considerou-se a audiência dos canais com mais de um ponto de audiência, considerados como estatisticamente relevantes (Magalhães & Lima, 2011), a saber: Globo, Record, SBT, Band e RedeTV. No decorrer deste artigo, a menção à audiência da TV brasileira se refere a esses cinco canais.

Os demais canais foram desconsiderados na análise por representarem, juntos, menos de um ponto percentual da audiência, tanto no começo da análise, em 2000, quanto no término, em 2013. Para evitar distorções nos dados, esses canais foram agrupados aos índices da TV paga, identificados pela terminologia OCN. Da mesma forma, o termo OPA representa outros dispositivos conectados à televisão, como tocadores de mídias externas, consoles de jogos, computadores etc. Finalmente, o último item analisado refere-se ao total de aparelhos ligados (TTL). Esse número permite gerar análises sobre a evolução do meio TV e sua importância no dia a dia das pessoas. Essa metodologia segue o procedimento utilizado pelo Instituto Brasileiro de Opinião Pública e Estatística (Ibope), empresa que mede a audiência no Brasil, na divulgação dos índices. Finalmente, visando identificar tendências da televisão no Brasil, faz-se também uma projeção da audiência para os próximos 14 anos, período igual ao da análise.


A evolução da audiência na televisão comercial

O modelo de televisão comercial depende da audiência, mais especificamente, da quantificação dos telespectadores, que pauta a comercialização dos espaços publicitários. Cruz (2008) afirma que, de forma simplificada, o modelo de negócio da televisão é vender índices de audiência para os anunciantes, que pagam, principalmente, pela quantidade de telespectadores que o programa ou canal possui. Quanto maior a audiência, mais caro o anúncio. O autor lembra que a qualidade da audiência, ou seja, o perfil de consumo e comportamento, também interfere na escolha do anunciante, porém tem importância menor do que a quantidade.

Estatisticamente, a medição comercial da audiência está baseada em métodos quantitativos que buscam identificar o tamanho e a composição da audiência (Larrañaga, 1998; Bermejo, 2007). Atualmente está prevalecendo o enfoque institucional nas análises tradicionais. Nesse sentido, o interesse em conhecer a audiência de determinado canal ou programa de TV é sobreposto pelas estratégias empresariais. "Por essa razão, o objetivo destes estudos não se centra tanto em conhecer a opinião ou atitude das audiências, mas tratam[sic] de avaliar a programação emitida através da quantificação dos telespectadores que a mesma pode ter" (Larrañaga, 1998).

Nos mercados de televisão comercial, empresas prestam serviços de medição de audiência. Essas empresas comercializam os dados auferidos para emissoras de TV, agências de publicidade e anunciantes (Larrañaga, 1998). No Brasil, a empresa responsável pela medição de audiência é o Ibope, o qual coleta as informações através de audímetro conectado à TV (people meter), que mapeia automaticamente as informações de radio-frequência sintonizadas por cada telespectador na residência. O audímetro envia continuamente os dados para o Instituto, através de sinais de rádio ou aparelho celular (Ibope, 2014).

Conforme apontado por Becker (2014a), toda medição de audiência no Brasil se concentra na Região Metropolitana de São Paulo. Além de ser o principal centro econômico do país, a cidade de São Paulo sedia todas as emissoras nacionais brasileiras, exceto a TV Globo, cuja cabeça de rede nacional fica no Rio de Janeiro, mas que tem geradora e estúdios em São Paulo. Além disso, as oito maiores agências de publicidade do país também possuem suas sedes em São Paulo, o que concentra todo mercado publicitário e televisivo nessa cidade. Essa concentração de empresas de comunicação gera um predomínio econômico da cidade em relação ao resto do país, o que faz com que os índices de audiência medidos na Grande São Paulo sejam utilizados como ferramenta de análise de toda audiência da TV brasileira. Dessa forma, este estudo também se concentra na análise dos dados medidos nessa região.

Os índices de audiência são auferidos através de um painel, uma amostra estatística representativa de toda população. A partir dos dados medidos na amostra, composta por 760 residências na Região Metropolitana de São Paulo (Ibope, 2014), faz-se uma projeção do número total de espectadores expostos à programação. Ou seja, o índice de audiência é medido com base no total de pessoas ou domicílios da amostra que sintonizaram determinado canal. Segundo o Ibope (2014), cada ponto percentual correspondia em 2013 a 62 mil residências e 185 mil pessoas na Grande São Paulo.

A audiência é expressa em pontos. Cada ponto de audiência representa um ponto porcentual da amostra e, consequentemente, 1% da população. Se um determinado programa obteve 10 pontos de audiência, significa, pela projeção, que 10% da população viu esse programa.


Evolução na recepção

A partir do desenvolvimento da radiodifusão, durante a década de 1930, desenvolveu-se a ideia da audiência coletiva e esparsa, em que não há contato nem troca de informações entre o receptor e o emissor do conteúdo. Autores afirmam que, na estrutura tradicional da televisão, há restrições tecnológicas que dificultam o contato entre os produtores e os receptores do conteúdo (a audiência), que estão dispersos geograficamente e costumam compartilhar o equipamento de recepção (Mcquail, 1997; Larrañaga, 1998; Bermejo, 2007; Becker, 2011). No entanto, esse modelo de interpretação da audiência está sendo constantemente aperfeiçoado com o surgimento das tecnologias de comunicação. Mcquail (1997) sintetiza esse processo ao relacionar quatro mudanças-chave no tema, relacionadas a seguir.

Mcquail (1997) sintetizou essa teoria no final da década de 1990, quando ressaltou que o quarto item era uma possibilidade teórica, ainda sem efeitos práticos. O desenvolvimento da comunicação bidirecional, pela internet, tem mostrado que de fato a audiência tem se fragmentado. O consumo individual está se acentuando, tanto na internet quanto em sistemas de vídeo sob demanda.

Já a questão sobre a interatividade tem sido amplamente debatida, com a maioria dos autores apontando para um desejo pela participação por parte do telespectador. As tecnologias para a interatividade têm evoluído de modelos de jardim murado, em que a emissora de TV controlava todo o conteúdo, para uma era de aplicativos, na qual qualquer desenvolvedor cria aplicações para smartphones e tablets (Becker, 2014b).

Além disso, a internet tem desempenhado um papel importante nessa participação do telespectador na programação. As redes sociais permitem um contato permanente do público com o produtor de televisão, o que gera um diálogo e uma postura ativa do telespectador diante da programação televisiva. Ou seja, as restrições tecnológicas que impediam o diálogo estão sendo superadas.

No entanto, essa facilidade de comunicação e de oferta de conteúdos tem gerado um cenário complexo para as emissoras de televisão: a migração da audiência para as mídias digitais. O dinamismo da internet tem atraído um público antes exclusivo da televisão, o que tem levado a impactos no próprio modelo de negócios das emissoras de TV (Jaffe, 2008; Liebowitz & Zentner, 2012). Esse fenômeno é reforçado pela televisão por assinatura, totalmente digital no Brasil (a TV digital terrestre ainda não chega a um terço da população brasileira), e com oferta muito superior de conteúdos e canais. As cinco maiores provedoras de TV paga do país também oferecem serviços de vídeo sob demanda, o que gera mais uma opção de acesso a conteúdos não disponíveis na TV aberta.

O resultado dessa migração no Brasil pode ser verificado na queda de audiência das emissoras de televisão, fato diretamente relacionado ao aumento do público da internet e da TV paga, como demonstra a presente pesquisa.


Análise dos dados

Analisando os dados de audiência, disponibilizados pelo Ibope, de 2000 a 2013, percebe-se alguns padrões que tendem para uma queda do público diante da TV, seja em termos percentuais, seja em valores absolutos.

O gráfico 1 mostra a variação da soma da audiência dos principais canais. Fazendo uma análise por períodos, os índices variaram pouco entre 2000 e 2006. A audiência somada dos cinco principais canais caiu de 39,37% para 38,75%, uma queda absoluta de 0,62 pontos percentuais, ou 1,6%. Já entre 2006 e 2013, há uma queda acentuada na audiência da TV aberta brasileira. Se em 2006 os cinco principais canais comerciais tinham juntos 38,75% da audiência, em 2013 ela caiu para 28,26%. São 10,49 pontos percentuais a menos. Em termos relativos, 27% (mais de um quarto da audiência) deixaram de ver um dos cinco canais de TV aberta. Considerando todo o período de análise, a queda foi superior a 28%.

Analisando a quantidade de TVs ligadas no período, percebe-se que há uma queda nos números, apesar das oscilações durante os 14 anos, conforme pode ser observado no gráfico 2. No primeiro ano da análise, em média 45,45% das TVs ficavam ligadas no período entre 7h00 e meia-noite. Esse número caiu para 41,70% em 2013. No entanto, é preciso considerar três oscilações para cima. A primeira ocorreu entre 2001 e 2002, após uma queda de mais de 3 pontos percentuais na quantidade de TVs ligadas em 2001. Na segunda, em 2006, a quantidade de TVs ligadas se aproximou dos índices medidos de 2000, com 45,17% dos aparelhos ligados. Esse número oscilou para baixo a partir daquele ano até atingir 39,74% em 2012, menor índice já registrado pelo Ibope. Em 2013, o número subiu para 41,70%, ou seja, diminuiu-se um pouco a perda de telespectadores. Apesar desse aumento, a televisão brasileira perdeu 8,25% dos aparelhos ligados nos últimos 14 anos.

A maior emissora do país, a TV Globo, obteve um crescimento na audiência entre os anos 2000 e 2006, quando começou uma queda acentuada. No primeiro ano de análise, a emissora tinha 19,95% da audiência, índice que aumentou para 21,41% em 2006. No entanto, a partir desse ano, a emissora obteve constantes diminuições na sua audiência e perdeu em média 0,8 pontos percentuais por ano. Em 2013, atingiu o menor índice histórico, de 13,60 pontos. Ou seja, em sete anos a TV Globo perdeu 7,81 pontos percentuais, o que corresponde a mais de um terço da audiência (36,5%).

Os índices de audiência das demais emissoras tiveram comportamentos distintos. A Band e a Rede TV oscilaram pouco, enquanto o SBT teve uma queda considerável na audiência, e perdeu, assim, um segundo lugar consolidado desde a década de 1990 para a TV Record. Em 2000, a emissora tinha 10,41 pontos. Número este que baixou para 5 pontos em 2013. Ou seja, em 14 anos, o SBT perdeu a metade da audiência.

A TV Record foi a única emissora que registrou aumento de audiência no período e superou inclusive o SBT no segundo lugar em 2006, ano em que se acentuou a queda das demais emissoras. Saindo de 5,48 pontos de audiência em 2000, a TV Record verificou uma queda de audiência até 2004, quando a curva se inverteu. Foi justamente nesse ano que a IURD aumentou os investimentos na emissora (Castro, 2005; Mattos, 2007), cuja meta era tornar a TV Record líder de audiência em 10 anos. Até 2008 o resultado foi positivo e a audiência cresceu, chegando a média anual de 8,34 pontos. Ou seja, em quatro anos a emissora dobrou de audiência, fruto de uma campanha comercial ostensiva e lançamento de novas programações. No entanto, esse crescimento não se manteve, e a emissora fechou o ano de 2013 com 6,3 pontos porcentuais: mais alto que os 4,2 pontos de 2004, mas ainda longe da líder. A oscilação positiva nesse período, especialmente até 2008, mostra que a audiência que a Globo e o SBT perderam foi parcialmente absorvida pela Record. No mesmo período, o SBT enfrentou problemas com mudanças constantes na programação e com a administração da emissora e demais empresas do proprietário Silvio Santos, o que refletiu diretamente nos índices de audiência.

Analisando ainda o gráfico 2, chama atenção o crescimento dos outros canais (OCN). Em 2000, 2,60% das TVs estavam sintonizadas em outros canais. Esse número caiu para 1,78% no seguinte, o que pode ser atribuído a mudanças metodológicas na medição do OCN e da TV paga. A partir de 2002, o índice foi crescendo ano após ano, com média superior a um ponto percentual a partir de 2008. O maior crescimento foi verificado no último ano da análise, quando a quantidade de TVs sintonizadas na TV paga oscilou de 5,33% para 8,50%, um aumento de quase 60%.


Projeção da audiência da TV brasileira para os próximos 14 anos

Com o objetivo de compreender o que poderá acontecer nos próximos anos com a televisão brasileira, faz-se a seguir uma projeção dos índices de audiência para os próximos 14 anos.

Magalhães e Lima (2011) explicam que a projeção é um recurso estatístico que visa antecipar o comportamento de determinadas variáveis dentro de cenários conhecidos. Dessa forma, busca-se compreender o comportamento futuro das variáveis analisando os dados históricos destas. Ou seja, extrapolam-se para o futuro as relações e comportamentos já observados entre as variáveis no passado.

De forma simplificada, o ponto de partida desse processo é a análise da regressão, por meio de um diagrama de dispersão. Trata-se de um modelo matemático que relaciona o comportamento de uma variável Y com outra X, o que permite inferir, projetar ou prever uma linha futura a partir de uma base histórica de dados.

Estatisticamente falando, em uma análise de regressão, traça-se uma linha que minimiza a soma dos erros quadráticos entre o valor estimado e o dado observado. Da mesma forma, a reta resultante deverá ser aquela que torna mínima a soma dos quadrados das distâncias da reta em relação aos pontos experimentais. Os erros são as diferenças entre os dados reais e aqueles preditos pelo modelo. Além de projetar, o segundo maior uso da análise de regressão é entender a relação entre as variáveis.

No caso do presente estudo, as variações dos índices de audiência dos últimos 14 anos são dispersos no diagrama, no qual o eixo X corresponde aos anos. Trata-se da variável controlada pelo observador, chamada, na estatística, de independente. Já o eixo Y representa os índices de audiência e corresponde à variável dependente. Uma linha, que representa a análise da regressão, identifica padrões de comportamento entre os dados, o que permite gerar as projeções. Nos gráficos 3 e 4, as análises da regressão são apresentadas pelas retas entre os anos 2000 e 2013. Já as projeções são feitas pela continuidade das retas, a partir dos padrões identificados anteriormente.

Ao mostrar em um gráfico cartesiano os pares de informação referente a cada momento observado durante um período, obtém-se um conjunto de pontos definidos pelas coordenadas X e Y de cada ponto. Esse conjunto definirá uma reta ou direção que caracterizará o padrão de relacionamento entre X e Y. Caso se observe uma tendência, ou um eixo linear, nesse conjunto de pontos cartesianos, tem-se o que é chamado estatisticamente de regressão linear. É o caso do comportamento dos índices de audiência televisiva. A relação entre as variáveis será direta, ou positiva, quando os valores de Y aumentarem em decorrência da elevação dos valores de X. Será inversa, ou negativa, quando os valores de Y variarem inversamente em relação aos de X.


Projeção

Usando os dados de audiência referentes aos anos de 2000 a 2013, fez-se uma projeção para os próximos 14 anos considerando os dados mais importantes para a compreensão do mercado televisivo: a média da audiência dos canais, a soma da audiência desses canais, a audiência não relacionada à TV aberta, o que inclui a TV paga e outros dispositivos conectados à TV (soma de OCN com OPA), e o total de aparelhos ligados (TTL).

As projeções foram feitas considerando dois diferentes cenários. O uso de cenários é útil para antever o que pode acontecer se um conjunto diferente de previsões se confirmar. Autores sugerem que sejam feitos cenários a partir da previsão mais provável, com pelo menos uma variação (Van der Heijden, 1996; Buarque, 2003).

No primeiro caso, considerou-se a oscilação da audiência durante os 14 anos. Este é considerado o cenário principal e mostra o comportamento dos índices de audiência caso a média dos últimos 14 anos se mantenha. Como foi identificada uma tendência de queda mais acentuada a partir de 2006, em comparação com os anos anteriores, esse ano foi utilizado como delimitador para o segundo cenário, composto pelos índices compreendidos entre os anos 2006 a 2013. Nesse cenário, a audiência televisiva mantém uma tendência maior de queda a cada ano.


Cenário principal

O gráfico 3 apresenta o cenário principal, no qual foi aplicada a curva de regressão nos 14 anos em análise. As quedas da quantidade de TVs ligadas, da média dos canais e da soma das audiências dos canais com mais de um ponto, se mantêm. Além disso, o crescimento da audiência da TV fora da televisão aberta se acentua e chega a encostar na soma das audiências dos cinco principais canais. Continuando a projeção, no ano seguinte, em 2029, o OCN e o OPA terão mais audiência do que toda TV aberta (18,67 pontos contra 18,59).

Como pode-se observar no gráfico 3, nem todos os pontos estão sobre a reta de regressão calculada, uma vez que esta representa uma aproximação da realidade, útil para indicar tendências. A exatidão da projeção depende de quão precisa a reta de regressão é, o que torna necessário calcular o quanto os valores estão variando em torno dessa linha —o que pode afetar a projeção—. Para isso, são utilizados dois índices, o erro padrão e o coeficiente de correlação. O primeiro informa a variação da distância dos pontos em relação à reta, o que corresponde à amplitude da variação que pode ocorrer na projeção. O coeficiente de correlação calcula o quanto uma variável independente prevê bem a dependente. Valores iguais ou próximos a 1 (relação direta) ou -1 (relação inversa) indicam que existe uma forte relação entre as variáveis. Coeficientes de correlação próximos de zero indicam que existe pouco relacionamento entre as variáveis, o que torna a projeção imprecisa (Magalhães & Lima, 2011).

O erro padrão e o coeficiente de correlação do cenário provável foram, respectivamente, Média: 0,31 e -0,91; Soma: 1,53 e -9,91; OCN + OPA: 1,42 e 0,87; TTL: 1,2 e -0,61. Identifica-se uma oscilação mais elevada em torno da reta na soma das audiências, o que significa que pode ocorrer variações dessa magnitude também na projeção. Já os índices de correlação estão próximos de 1 e -1 (exceto o TTL), o que indica uma previsão confiável destas variáveis.


Segundo cenário

Considerando o segundo cenário (gráfico 5), no qual se mantém a tendência identificada de 2006 a 2013, a média dos cinco canais de maior audiência fica em 1,68 em 2028; a soma, em 8,40. Em 2022, os outros canais e outros dispositivos ficam mais fortes do que os canais abertos juntos. Além disso, o número de TVs ligadas também diminui substancialmente e chega a 33,38%, uma queda de 26% em relação a 2006.

O erro padrão e o coeficiente de correlação foram, respectivamente, Média: 0,58 e -0,98; Soma: 0,58 e -0,98; OCN + OPA: 0,94 e 0,93; TTL: 1,35 e -0,86. Esses dados indicam uma previsão mais confiável, com oscilações menores em torno da curva e índices de correlação que conseguem prever bem as variáveis dependentes.

Trata-se do cenário que tem os indicativos estatísticos mais próximos da confiabilidade. Esses índices estão relacionados às variáveis dependentes, mapeadas ao longo do período analisado. Como será discutido nas próximas seções, fatores externos podem interferir nesses cenários.


Nota sobre investimento publicitário

Inversamente à queda nos índices de audiência, o investimento publicitário na TV brasileira mostra um cenário de crescimento expressivo e constante nos últimos anos. Entre 2000 e 2013, o valor investido saltou de R$ 5,523 bilhões para R$ 21,432 bilhões (U$ 9,12 bilhões, na cotação de dezembro de 2013). Comparando o crescimento do investimento em TV com o total gasto em publicidade (gráfico 5), considerando todos os valores em Reais, percebe-se que o primeiro, em certa medida, reflete a tendência do segundo, isto é, cresce mais quando o investimento total cresce também. Mais especificamente, o índice de crescimento do investimento em TV, com exceção ao meio da década passada, se manteve acima da média —portanto, impulsionando o total para cima—.

Em 2004, o investimento em TV cresceu 26,10% em comparação a 2003. Nesse ano, R$ 8,233 bilhões foram gastos com publicidade em TV, contra R$ 6,529 bilhões do ano anterior. É a maior variação dentro do período analisado e representa o ápice da recuperação pós-começo da década, quando o investimento chegou a cair em 2001 (-3,64% para TV; -5,39% para o total).

Após 2004, percebe-se que a velocidade de crescimento dos investimentos diminuiu —sendo o auge da desaceleração o período da crise econômica de 2008—. Mesmo com valores positivos em termos de investimento e crescimento, nesse período a TV se desenvolve mais lentamente que o mercado publicitário como um todo. Consequentemente, a participação no bolo também caiu, o que deixou a marca de 61% em 2004 para 58,8% em 2008.

Somente em 2009 se iniciou uma escalada de recuperação rápida e acentuada, e a participação no bolo publicitário total aumentou para 60,9% nesse ano, e 66,5% em 2013, conforme mostra o gráfico 6.

Como esses números são calculados com base em valores informados pelas empresas de comunicação ao Projeto Inter-meios (2014), tratase de uma soma acumulada de valores investidos nos 12 meses do ano, o que não considera variações econômicas. Dessa forma, é interessante olhar para uma comparação do crescimento dos investimentos com os principais índices de inflação, o IPCA e o IGP-M4, apresentada no gráfico 7. Com exceção do começo da década passada, o aumento do investimento em TV sempre esteve acima dos principais índices de inflação oficiais. No entanto, especialmente após 2010, percebe-se que essa diferença cai bastante, isto é, o crescimento do investimento em TV pode ser, em parte, repasse do aumento dos custos que o mercado publicitário teve, acompanhando a tendência geral no país no mesmo período.

Por fim, chama a atenção que, a partir de 2009, o investimento em merchandising passou a ter destaque nas principais publicações referentes ao mercado publicitário brasileiro. O Grupo de Mídia de São Paulo, responsável pelo fornecimento das principais informações sobre o tema, começou a colocar em suas publicações um resumo desse tipo de investimento nas cinco grandes redes de TV aberta —Globo, Record, SBT, Band e RedeTV—, que são as mesmas emissoras cuja audiência é analisada neste estudo. O total das receitas em merchandising dessas emissoras subiu de R$ 4,33 bilhões em 2009 para R$ 6,23 bilhões em 2013, valor que equivale a 29,11% de todo o investimento publicitário em TV (Grupo de Mídia São Paulo, 2014).


Análise dos índices de audiência

Como visto nos capítulos anteriores, a audiência da televisão brasileira está caindo ano após ano. No entanto, o aumento da população e um maior acesso à televisão podem distorcer esses dados. Uma queda percentual pode, na realidade, corresponder, em termos absolutos, a um aumento no total de pessoas diante da TV. Por isso, torna-se necessário investigar também os números absolutos da audiência, projetados pela medição do Ibope.

Considerando os números absolutos, em 2000 cada ponto da audiência correspondia a 162.465 pessoas. Já em 2013, esse número aumentou para 185.814 indivíduos. Dessa forma, em 2000 a audiência somada dos cinco principais canais era de 39,37% da população, o que corresponde a um total de 6,4 milhões de pessoas. Já em 2013, esse número baixou para 28,26% da população, o que equivale a 5,25 milhões de pessoas. Ou seja, em números absolutos, a audiência da TV também diminuiu.

É preciso considerar que a amostra da pesquisa aumentou nesses 14 anos. Em 2000, a amostra estava restrita à cidade de São Paulo e algumas cidades vizinhas, e representava uma população de 16 milhões de habitantes. Em 2013, a amostra foi expandida para toda a Região Metropolitana de São Paulo, o que compreende uma população de quase 19 milhões de habitantes. Apesar dessa mudança na amostra não afetar os dados estatísticos, ela influencia na projeção para o todo e gera uma dimensão maior para cada ponto de audiência. Mesmo desconsiderando esse aumento na amostra, a audiência somada da TV aberta caiu 18%. Trata-se de uma queda inferior à apontada pelos índices do Ibope (28,2%), mas confirma a tendência de menos pessoas diante da TV.

O que explica essa queda? O presente estudo aponta que não existe uma causa única para esse efeito. É a conjunção de fatores que resulta nessa tendência. Fatores como o crescimento da TV paga e do acesso à internet podem explicar esse fenômeno.


Crescimento da TV paga

Um fator central na análise da audiência da TV aberta brasileira é a TV por assinatura, que teve um crescimento, em nível nacional, de mais de 500% entre 2000 e 2013, período em análise. Em 2000 havia no país 3,5 milhões de assinantes de TV paga. Apesar de relativa estagnação no começo da década passada, esse número cresceu todos os anos, porém em ritmo menor até 2007, quando ultrapassou a casa dos 4 milhões de assinantes. Desde aquele ano, o crescimento anual tem sido superior a um terço. Em 2013, o total de assinantes de TV ultrapassou os 18 milhões. O gráfico 8 mostra a evolução anual das assinaturas contemplando todas as tecnologias por meio das quais são prestados os serviços.

Comparativamente, a cidade de São Paulo cresceu em ritmo um pouco menor em número de assinaturas de serviços de TV: saltou de 732 mil assinaturas em 2000 para 2,5 milhões em 2013, um crescimento de 342,5%. Como o OCN contempla os canais de TV por assinatura na medição do Ibope, há uma relação direta do crescimento desse índice com a penetração da TV paga. No mesmo período, a audiência do OCN cresceu 326% e atingiu 8,5 pontos, o equivalente a 1,58 milhões de espectadores na Grande São Paulo, o que pode ser considerado estatisticamente equivalente para um período de 14 anos.

No entanto, na análise do crescimento da TV paga no Brasil, percebese um número menor de espectadores auferido pelo Ibope em comparação com o número de assinaturas. Levando em conta que acesso à tecnologia, no caso da TV paga, não significa audiência, essa diferença pode ser interpretada de duas formas, elencadas a seguir.


Impacto da internet

Na internet o problema é maior, porque inexistem formas de medição de audiência que permitam comparar os fluxos de utilização da mídia em longos períodos. Existem métricas que fornecem informação sobre a quantidade de acessos e tempo dispendido nos sites, porém essas métricas não permitem uma projeção do total da audiência, algo essencial nos dados da audiência televisiva. Este é um dos motivos que a audiência na internet é tratada pela quantidade de usuários, e não em forma de percentual da população (Bermejo, 2007).

Inexistem dados oficiais que contemplem os anos 2000 a 2013, com amostra significativa, sobre a penetração da internet no Brasil. O Comitê Gestor da Internet Brasileira, o órgão responsável pela gestão da internet no país, só começou a consolidar os dados sobre acesso à rede em 2005. Além disso, os dados referentes a 2013 não haviam sido publicados na época da redação do presente artigo.

Apesar dessa limitação, é possível analisar mudanças na penetração da internet no período mencionado e investigar se há alguma relação com a audiência televisiva. O levantamento oficial é suficiente para mostrar o crescimento acentuado da internet a partir da metade da década passada, tanto em termos de acesso como de velocidade de conexão.

Conforme apresenta o gráfico 9, entre 2005 e 2012, percebe-se um crescimento do acesso residencial à internet de 307%. Entre 2005 e 2010, houve um crescimento médio de três pontos percentuais por ano. Já entre 2010 e 2011, o crescimento foi de 11 pontos percentuais.

A velocidade de acesso também variou consideravelmente. Até 2007, o acesso era praticamente restrito a conexões de até 1 Mbps, velocidade insuficiente para assistir a vídeos em tempo real e com qualidade razoável. A partir de 2007, as conexões entre 1 e 4 Mbps começam a ter importância. Nessa velocidade é possível assistir a vídeos com baixa qualidade em tempo real. A partir de 2010, começam a ter relevância as conexões com mais de 4 Mbps de velocidade, que permite audiência de vídeos com alta qualidade.

Analisando os dados referentes à queda da audiência da TV aberta e os crescimentos da TV paga e da internet, é possível estabelecer algumas relações. Enquanto a queda dos índices de audiência se acentuou a partir de 2005, tanto a internet quanto a TV paga cresceram. A partir de 2010, a queda da audiência foi mais acentuada do que nos anos anteriores. No mesmo período, tanto a internet quanto a TV paga aceleraram o crescimento.

Dessa forma, é possível concluir que o crescimento da penetração da TV paga e da internet afetam a audiência da televisão.


Conclusão

Pesquisas recentes têm questionado o futuro da televisão tanto como provedora de conteúdo quanto como mídia. Alega-se que a internet está contribuindo para a diminuição do público na TV e ameaça o modelo de negócios baseado na publicidade. Ao apresentar alternativas de informação e de entretenimento, o telespectador se sente mais atraído por conteúdos que incentivam a participação em detrimento à passividade (Cannito, 2010).

Além disso, a internet interfere na forma como as pessoas assistem e usufruem do conteúdo da TV, com impacto significativo em toda cadeia de valor da produção audiovisual. Não só novas formas de entretenimento ficam acessíveis pela internet, como pautam comportamentos e trocas de informações no mundo on-line (Brown & Goolsbee 2002; Brynjolfsson & Smith 2000; Liebowitz 2002; Zentner 2008). Dessa forma, em determinados mercados, pessoas com acesso à internet assistem menos à televisão (Liebowitz & Zentner, 2012).

O presente artigo acrescenta informações a esse debate ao mostrar que a televisão aberta está perdendo audiência, pelo menos no mercado brasileiro, e que é possível estabelecer relações causais dessa queda de audiência com o crescimento da TV paga e da internet. Ou seja, o mercado brasileiro acompanha a tendência internacional, que coloca em xeque o modelo de negócios da TV aberta, baseada na comercialização de espaços publicitários a partir da quantificação da audiência (Jaffe, 2008).

O fato de o faturamento estar crescendo pode ser atribuído, em parte, ao bom momento vivido pela economia brasileira até meados de 2014, com investimentos publicitário em alta devida à Copa do Mundo, que aconteceu em junho/julho de 2014, e à Olimpíada, que acontecerá em 2016. Além disso, o investimento em TV também se mantém em alta mundialmente e apresenta, inclusive, crescimento. Segundo o Global AdView Pulse Report (Nielsen Company, 2014), 57,6% dos investimentos mundiais em publicidade nos três primeiros trimestres de 2013 foram em TV, um crescimento de 4,3% em comparação com o período anterior.

Finalmente, ainda faltam alternativas de veiculação para grandes anunciantes, que objetivam atingir um grande público com um único comercial. O motivo dessa preferência pelos anunciantes, além do alcance maior, é ter o impacto reforçado pelos altos níveis de reconhecimento que o público consumidor brasileiro tem com relação à TV —algo que só se modificará a longo prazo, com o desenvolvimento das outras mídias—.

Considerando a curva descendente dos índices de audiência dos últimos 14 anos, é improvável estatisticamente que ocorra uma reversão total nesses índices, com a audiência da TV voltando a patamares anteriores ao ano 2000. Por isso, os dois cenários apresentados podem ser considerados pessimistas. Trata-se, comercialmente, de uma equação que busca perder menos, com poucas possibilidades de ganho. A migração da audiência para a TV paga e para a internet parece ser um fato concreto, que tende a crescer.

Nesse cenário ainda não é avaliado o impacto do vídeo sob demanda e alternativas à grade de programação, como a gravação automática da programação. Pesquisas têm demonstrado que esses dois fenômenos, apesar de incipientes, estão afetando o comportamento do telespectador (Nielsen, 2014). Nesse aspecto, é importante ressaltar que a concorrência é essencialmente no modelo de negócios, e não no conteúdo.

Enquanto, para o telespectador, o acesso à TV aberta é gratuito, os serviços de vídeo sob demanda e gravação da programação são comercializados por empresas de TV por assinatura e provedoras de conteúdo. Parte dos conteúdos disponíveis nessas plataformas foram produzidos e transmitidos originalmente por emissoras de TV aberta. No caso brasileiro, a maior parte das produções do SBT e da TV Band estão disponíveis em portais de TV conectada e serviços de vídeo sob demanda. Dessa forma, essas emissoras mostram uma busca por alternativas ao modelo de negócios da TV aberta e à migração do público para internet e TV paga. São iniciativas necessárias que visam a uma preparação para, em algum momento futuro, encarar a perda de audiência e o possível reflexo na publicidade.

Na análise estatística, é preciso ressaltar que fatores externos podem alterar as projeções e, consequentemente, o comportamento dos índices de audiência. As projeções apresentadas neste artigo significam apenas que, em se mantendo as características de um desses cenários, o comportamento dos dados será este. Mudanças na economia, na gestão de recursos humanos, na política, na legislação, podem interferir no comportamento do público. Além disso, a TV aberta presta um tipo de serviço único no Brasil. Não há alternativa acessível para toda a população para informação e entretenimento, o que pode ser considerado como um fator positivo para a radiodifusão comercial.

Sem invalidar as projeções com as retas de regressão —porque elas apontam a tendência—, mas considerando as necessárias ações estratégicas das emissoras, como mudanças de grade de programação, ocupação de outros espaços de veiculação, assim como mudanças na metodologia de medição de audiência, a projeção de queda dos índices de audiência pode ser atenuada. Dessa forma, chega-se a hipóteses cujo teste é extremamente complicado, com um aumento de variáveis não controladas que foge da análise estatística. É possível projetar, ao invés de uma reta, uma curva de queda que desenhe uma cauda ao longo do tempo. Assim, os três cenários mais as hipóteses de ação levariam a um mesmo resultado, que é um equilíbrio maior entre audiência, produção e investimento publicitário entre os meios audiovisuais.


4 O Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) é calculado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e serve como o índice oficial de inflação adotado pelo governo brasileiro. Já o IGP-M, calculado pela Fundação Getúlio Vargas, representa uma média ponderada de três outros índices de medição de preços em diferentes setores (ao consumidor, atacado e construção civil). Enquanto o IPCA reflete a variação custo de vida do consumidor, o segundo mostra o comportamento dos preços nas atividades produtivas como um todo.



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