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#PraCimaDeles: o humor na construção da identidade política de Guilherme Boulos

#PraCimaDeles: El humor en la construcción de la identidad política de Guilherme Boulos

#PraCimaDeles: Humor in Building Guilherme Boulos' Political Identity



Richard Romancini 1
Viviane Barbosa Marques 2
Fernanda Castilho 3

1 0000-0002-1651-5880. Universidade de São Paulo, Brasil.
richardromancini@usp.br

2 0009-0008-2582-1389. Universidade de São Paulo, Brasil.
viviane.barbosa@usp.br

3 0000-0003-2301-0554. Centro Estadual de Educação Tecnológica Paula Souza, Brasil.
fernanda.castilho@cpspos.sp.gov.br

Recebido: 20/05/2024
Submetido a pares: 20/06/2024
Aceito por pares: 19/07/2024
Aprovado: 19/07/2024

Para citar este artículo / to reference this article / para citar este artigo: Romancini, R., Barbosa, V. e Castilho, F. (2024). #PraCimaDeles: o humor na construção da identidade política de Guilherme Boulos. Palabra Clave, 27(4), e2749. https://doi.org/10.5294/pacla.2024.27.4.9


Resumo

A relação entre humor e política é antiga e ganhou novos contornos com o surgimento da internet. Neste estudo, são analisadas postagens publicadas entre 2018 e 2023, do perfil do Instagram de Guilherme Boulos, emergente liderança da esquerda brasileira. Discussões sobre a política, o humor e o papel desse recurso na construção de fronteiras simbólicas entre pessoas e grupos são o pano de fundo teórico do trabalho, que tem como objetivo principal compreender o papel do humor na construção da identidade política de Boulos. Em termos metodológicos, são feitas análises descritivas das mensagens do corpus (n = 13 321), combinadas a observações qualitativas. As postagens foram verificadas para distinguir as que tinham elementos de humor ou não. No caso das primeiras, houve a categorizações das postagens pelo estilo. Entre outros resultados, o trabalho indica o uso do humor em 15,6 % das postagens, sendo que o estilo adotado é majoritariamente "agressivo", ou seja, dirigido a diferentes alvos, com destaque para o ex-presidente Jair Bolsonaro. Também se observa que as mensagens com humor têm maior alcance e reações. De modo mais geral, a identidade que o humor ajuda a construir, no caso de Boulos, é a de um político combativo, contra políticas e agendas conservadoras, e que possui dimensões descontraídas e relacionadas ao cotidiano do cidadão comum.

Palavras-chave: Comunicação política; humor literário; identidade; mídia social; eleições.


Resumen

La relación entre humor y política es antigua y ha adquirido nuevos contornos con el auge del internet. En este estudio se analizan los posts publicados entre 2018 y 2023 en el perfil de Instagram de Guilherme Boulos, líder emergente de la izquierda brasileña. Las discusiones sobre política, humor y el papel de este recurso en la construcción de fronteras simbólicas entre personas y grupos son el telón de fondo teórico del trabajo, cuyo principal objetivo es comprender el papel del humor en la construcción de la identidad política de Boulos. En términos metodológicos, se realizan análisis descriptivos de los mensajes del corpus (n = 13 321), combinados con observaciones cualitativas. Se revisaron los mensajes para distinguir entre los que contenían elementos de humor y los que no. En el caso de los primeros, los mensajes se clasificaron por estilo. Entre otros resultados, el trabajo indica el uso del humor en el 15,6 % de los posts, y el estilo adoptado es mayoritariamente agresivo, es decir, dirigido a diferentes blancos, especialmente al expresidente Jair Bolsonaro. También se observó que los mensajes con humor tuvieron mayor alcance y reacciones. En términos más generales, la identidad que el humor ayuda a construir, en el caso de Boulos, es la de un político combativo, contrario a las políticas y agendas conservadoras, y que tiene dimensiones distendidas y relacionadas con el cotidiano de los ciudadanos comunes.

Palabras clave: Comunicación política; humor literario; identidad; redes sociales; elecciones.


Abstract

The connection between politics and humor is longstanding and has evolved with the advent of the internet. This study examines posts on Guilherme Boulos' Instagram profile, a rising figure in the Brazilian left, from 2018 to 2023. The work is grounded in theoretical discussions on politics, humor, and the role of this resource in creating symbolic divisions among individuals and groups. Its primary aim is to comprehend the significance of humor in shaping Boulos' political identity. The corpus (n = 13,321) was subjected to descriptive analysis, complemented by qualitative observations. The posts were examined to differentiate between those that contained aspects of humor and those that did not. In the former, posts were classified based on their style. The study reveals that comedy is present in 17.7 % of the posts, employing an "aggressive" style that tackles various subjects, particularly former president Jair Bolsonaro. Furthermore, humorous communications have a higher level of dissemination and elicited responses. In Boulos' case, humor establishes the identity of a confrontational politician who opposes conservative policies and goals. This identity is characterized by an easygoing demeanor that resonates with the experiences of regular folks.

Keywords: Political communication; humour (literary); identity; social media, elections.



Introdução

A utilização do humor na abordagem de temas sociais relevantes é tendência contemporânea. Pesquisas com big data mostram que mensagens com humor obtêm atenção desproporcional nas plataformas de mídia social (Davis et al., 2018) e as informações com essa característica são mais retidas pela memória dos receptores (Young, 2017). O compartilhamento das mensagens que utilizam o humor também é maior (Coronel et al., 2021). Termos como "política leve" (light politics [Penney, 2017]) e "cidadania tola" (silly citizenship [Hartley, 2012]) foram criados para descrever dimensões da atividade irreverente de produção de conteúdo e participação em discussões on-line. Essa prática, para alguns, pode aumentar a acessibilidade e o envolvimento das pessoas com assuntos importantes, reforçando o processo democrático. Mas há o risco de que o cruzamento do humor e da política estimule uma percepção cínica sobre essa atividade (Tsakona e Popa, 2011).

Sob o contexto descrito, neste artigo, temos como objetivo analisar o modo como o humor tem servido para a construção da identidade política do deputado federal, por São Paulo, Guilherme Boulos, do Partido Socialismo e Liberdade (PSOL). O caso é relevante por vários motivos. Em primeiro lugar, pela mudança na imagem pública de Boulos ao longo do tempo. Isso ocorre, pois ele abandonou a sisudez que o caracterizava (Dip, 2017), em prol de formas comunicativas que buscam transmitir uma imagem descontraída (Tagiaroli, 2020).

Além disso, Boulos, nascido em 1982, é um político jovem e em ascensão. Após ter se tornado conhecido pela atuação como líder do Movimento dos Trabalhadores Sem-Teto (MTST), ele ingressou na política partidária, sendo candidato à presidência, em 2018. Terminou em 10° lugar, mas ficou conhecido nacionalmente. Conseguiu, assim, em 2020, chegar ao segundo turno da disputa pela prefeitura paulistana e dois anos depois ser eleito deputado federal, obtendo mais de um milhão de votos. Boulos também é descrito como alguém que manipula com constância e destreza seu smartphone (Victor, 2018), produzindo conteúdo digital para diversas plataformas. Nesses espaços, tem alcançado público amplo, com os seguintes números de seguidores: 352 mil (no TikTok), 383 mil (no You-Tube), 1,1 milhão (no Facebook), 2,2 milhões (no X, ex-Twitter) e 2,2 milhões (no Instagram). É, assim, um político que usa as mídias digitais em proveito de sua carreira.

Observar como Boulos utiliza o humor permitirá compreender o papel que esse tipo de linguagem possui na autoconstrução da identidade de um político relevante no Brasil atual. Isso será feito a partir da análise das postagens do seu perfil no Instagram, de modo que o humor produzido não é filtrado — como o publicado em jornais, por exemplo. Pelas razões apontadas, o artigo busca contribuir para a vertente de estudos sobre o modo como os políticos, nos dias de hoje, utilizam recursos humorísticos em suas autocomunicações digitais. O uso do humor por políticos não é algo novo, mas a análise do tema no contexto mencionado é recente (Mendiburo-Seguel et al., 2022).

A questão de pesquisa principal (Q1) é a seguinte: Qual a expressão quantitativa e qualitativa do uso de recursos humorísticos nas mensagens veiculadas por Guilherme Boulos em seu perfil no Instagram?

Outras questões darão maior especificidade a esse questionamento, mas serão expostas após discussões de dimensões teóricas sobre o humor e a política, já que dialogam com essa dimensão. Na sequência, o artigo apresenta tópicos sobre essa relação, a exposição da metodologia, as análises e a discussão dos resultados.

Humor e política

A definição do humor é complexa, pois o termo é multifacetado, mas, para efeito da discussão feita aqui, ele será entendido como tudo o que as pessoas dizem ou fazem com a intenção de ser visto como engraçado por outras pessoas (Martin e Ford, 2018).

A longa relação histórica do humor com a política ocorre por ele ser, frequentemente, utilizado para criticar os poderes estabelecidos. A sátira, por isso, é o gênero humorístico político por excelência (Hodgart, 2010). O componente satírico faz com que o humor político seja utilizado para criticar  adversários. A produção acadêmica sobre o tema mostra que a principal utilização do humor pelos políticos possui essa característica. O uso desse tipo de humor pode mitigar efeitos negativos à imagem de quem faz críticas, pois esse recurso admite certa liberdade expressiva (Tsakona, 2009).

A relação entre humor e política compreende dois ângulos: o humor usado por políticos e aquele que é feito pelas pessoas comuns ou profissionais da comédia sobre situações ou atores políticos (Morreall, 2005) ou, dito de outra forma, o humor que acontece dentro do próprio campo político e aquele sobre a política (Verhulsdonk et al., 2022). O último ocorre tanto em interações pessoais quanto na mídia massiva e está relacionado ao prazer e ao divertimento, já o primeiro possui caráter instrumental, é feito por políticos ou profissionais e busca estimular as pessoas a fazer algo, como votar de determinada maneira. Entretanto, como o caso em análise indica, essa dicotomia é nuançada pelo humor realizado em plataformas digitais, que permite aos políticos alcançarem largas audiências, sem a mediação dos veículos tradicionais.

É comum a ideia de que as lideranças políticas são beneficiadas pela percepção pública de que têm senso de humor (Mendiburo-Seguel et al., 2022; Tsakona e Popa, 2011; Valdez Zepeda et al., 2014); a influência persuasiva delas seria incrementada, devido à admiração por essa habilidade (Meyer, 2000). Nessa perspectiva, o humor é visto como elemento do capital cultural daqueles que o utilizam (López, 2008).

A frequência com que os políticos iniciam discursos com piadas remete a isso, bem como à compreensão intuitiva de que o humor pode tornar as pessoas mais abertas à mudança mental (Morreall, 2005). O humor pode ter, assim, uma série de funções políticas e ser usado como estratégia de propaganda, a fim de alcançar certos objetivos. Entre eles, a possibilidade de que o político consiga maior visibilidade; tenha maior capacidade de persuadir o público e o eleitorado, o que pode ser favorecido pela atitude positiva criada, muitas vezes, pelo divertimento cômico (Valdez Zepeda et al., 2014).

Em resumo, o humor político tem, principalmente, teor persuasivo, mas pode ser também usado pelos políticos para comunicar qualidades pessoais positivas (como a inteligência e a posição social), produzir mensagens com maior impacto e estabelecer relações emocionais com eleitores (Mendiburo-Seguel et al., 2022).

Dada essa discussão, podemos pensar, hipoteticamente, que mensagens com elementos de humor, devido ao seu teor persuasivo, tenham sido mais utilizadas por Boulos em seu Instagram durante campanhas eleitorais, nas quais se objetiva convencer o receptor quanto ao voto. Isso leva à seguinte questão de pesquisa (Q2): As mensagens com elementos humorísticos no perfil de Boulos aumentam — ou ocorre algum tipo de mudança discursiva no uso desse recurso — em períodos de campanha eleitoral (ou outras circunstâncias)?

Teorias, estilos do humor e identidade política

Desde a Antiguidade Clássica, o humor foi objeto de reflexão de vários autores e se consolidaram linhagens teóricas explicativas sobre o tema. As três teorias mais citadas pelos estudiosos destacam as seguintes fontes do humor: superioridade, incongruência e alívio. Na primeira, o humor decorre da sensação de triunfo e superioridade com relação ao alvo da piada; o humor baseado na incongruência está ligado a dissonâncias ou discrepâncias em uma situação que provoca a desfamiliarização cômica, e, no humor baseado no alívio, as piadas e outras peças humorísticas divertem ao liberarem energia psíquica que a situação de humor mobiliza, envolvendo sentimentos reprimidos pela racionalidade. Essas teorias podem ajudar a compreender o humor, no entanto possuem limitações (Eagleton, 2019) e obras com fins humorísticos podem ser interpretadas, por vezes, a partir de mais de uma teoria. Alguns autores defendem a complementarida­de dessas perspectivas, mas uma teoria unitária sobre as origens do humor não foi desenvolvida.

Meyer (2000) defende que nenhuma origem única pode explicar completamente um ato humorístico, em vez disso, ele pode ter várias fontes. Por isso, desenvolve teorização que destaca não as causas do humor, mas sim seus efeitos comunicativos. A distinção é feita a partir da dicotomia entre práticas humorísticas que unem ou dividem as pessoas. Emboranão  discutam o trabalho de Meyer (2000), Martin et al. (2003), ao elaborarem tipologia de estilos de humor, chegam a resultados parecidos, tendo em vista que os quatro tipos destacados — afiliativo (affiliative), autoengrandecedor (self-enhancing), autodepreciativo (self-defeating) e agressivo (aggressive) — podem ser vistos como formas de construções coletivas de unidade a partir da coesão (as três primeiras formas) ou divisão, crítica ao "outro" (o último estilo). Esses estilos serão descritos na seção metodológica, tendo em vista seu papel na análise das postagens de Boulos.

A falta de consenso sobre o efeito persuasivo geral do humor tem levado os estudiosos a se dedicarem mais aos contextos e às situações mo­deradoras, dando nuance analítica às abordagens do tema (Walter et al., 2018). O tipo de mensagem ou humor utilizado e, principalmente, o público e suas características, como o gênero, o nível educacional e a etnia, são enfatizados. Nessa perspectiva, a identidade política é destacada por vários estudos, devido à relação entre as visões de mundo e as ideologias das pessoas (Buie et al., 2022; Young, 2020). O entendimento e a apreciação do humor variam bastante conforme esse aspecto da personalidade. O estudo de LaMarre et al. (2009), por exemplo, mostrou que os telespectadores conservadores da série The Colbert Report tendiam a interpretar literalmente as críticas irônicas do protagonista aos liberais estadunidenses.

Assim, tanto do lado da produção quanto da recepção e das relações entre essas instâncias, há efeitos de criação de fronteiras simbólicas. O humor fortalece os laços sociais entre os interlocutores que concordam com o seu conteúdo e alvos — no que seria a função inclusiva dele — e cria separação entre essas pessoas e as que discordam disso — na função exclusória do humor (Tsakona e Popa, 2011).

Desse modo, o humor colabora na formação de comunidades, em um processo de mão dupla, ou seja, as pessoas que possuem gostos cómicos similares tendem a compartilhar padrões de virtude e vício, certo e errado. O humor não cria essas normas, mas ajuda a disseminá-las e as reforça (Carroll, 2014). Os indivíduos buscam estabelecer laços com pessoas com quem possam partilhar experiências sociais energizantes, como as proporcionadas  pela troca de piadas. As fronteiras simbólicas são fortemente marcadas por diferenças nos estilos de humor (Kuipers, 2009). Em resumo, "uma das funções sociais mais comuns do humor é a construção da solidariedade e da identidade dentro do grupo, ou seja, o senso de pertencimento a um grupo"1 (Archakis e Tsakona, 2005, p. 42, tradução nossa).

A identidade pode ser vista como dimensão dinâmica de indivíduos e grupos, algo que se elabora e se negocia a partir de estratégias discursivas e interações nas quais eles se envolvem. Tendo como premissa que Boulos utiliza o humor para desenvolver sua identidade política, podemos, a partir da discussão prévia, entender que isso está relacionado aos estilos de humor (Martin et al., 2003) que ele utiliza em suas comunicações digitais. Assim, formula-se essa outra questão de pesquisa (Q3): Quais os estilos de humor utilizados por Guilherme Boulos em seu perfil no Instagram e o que caracteriza a utilização deles, de maneira geral, no que ele divulga nessa plataforma digital?

Metodologia

Analisamos as postagens feitas por Boulos em seu perfil no Instagram (https://www.instagram.com/guilhermeboulos.oficial/), de 11 de janeiro de 2018 até 20 de novembro de 2023. A data inicial é a de quando ele passou a publicar na plataforma e o total de postagens do período foi de 13 321. Há três momentos que requerem atenção: as campanhas eleitorais de 2018 (presidência), 2020 (prefeitura de São Paulo) e 2022 (Câmara Federal). No primeiro caso, a campanha oficial começou em 16 de agosto, sendo finalizada com o segundo turno em 28 de outubro de 2018. Na eleição de 2020, começou em 26 de setembro e o segundo turno foi em 29 de novembro. Finalmente, em 2022, a propaganda eleitoral foi de 16 de agosto a 30 de outubro de 2022.

Embora Boulos utilize também outras plataformas digitais, como o Facebook (desde 2014) e o X (desde 2016), sua comunicação digital nos últimos anos enfatiza o Instagram, tendo nessa plataforma o dobro de seguidores (2,2 milhões) do Facebook. Também é notável que Boulos, em diferentes peças de campanhas eleitorais, divulga seus perfis em redes sociais e não contas circunstanciais. Essas são as razões para a escolha de um ambiente digital como esse para a pesquisa.

As postagens foram coletadas a partir de um serviço on-line, que gerou uma planilha com informações como a data e a URL da publicação, o texto, a autoria — do próprio Boulos ou compartilhada por ele —, o número de comentários e de curtidas de cada publicação. As postagens foram analisadas para, em primeiro lugar, perceber se continham elementos de humor, conforme a definição mencionada, em resumo, se procuram gerar efeitos cómicos. A intenção humorística tinha que ser produzida ou abonada por Boulos. Houve poucos casos em que o perfil compartilhou humor crítico a ele, mas com a intenção de reprovar a representação, vista como preconceituosa2. Esse tipo de postagem não foi categorizado como possuidora de humor.

Esse é um exemplo de ambiguidade analítica. Outra dificuldade é que algumas postagens continham vídeos que demandaram sua assistência, para perceber se havia humor. Era feita, ainda, a reflexão se a existência de algum humor justificaria categorizar a peça como humorística. Optou-se, nesse caso, por categorizar o conteúdo como humorístico apenas quando essa característica era evidente em termos das intenções do emissor.

Os estilos de humor adotados na categorização das postagens são definidos na Tabela 1, a seguir.

Tabela 1. Estilos de humor

Estilo

Definições

Humor afiliativo (Affiliative humor)

Caracteriza-se por envolver piadas e brincadeiras espirituosas feitas para divertir os outros, facilitando relacionamentos e reduzindo tensões, de modo a fortalecer os laços pessoais e a coesão dos participantes da interação humorística. É essencialmente não hostil e tolerante, buscando gerar conexões emocionais positivas.

Humor autoengrandecedor (Self-enhancing humor)

Utilizado para enfrentar situações difíceis, adversidades e estresse. A partir do humor, que funciona como mecanismo de defesa saudável, as condições negativas são requalificadas a partir da perspectiva cómica. Permite ao emitente — por vezes o alvo da piada — elaborar uma visão positiva da vida.

Humor agressivo (Aggressive humor)

Está relacionado ao uso de sarcasmo, provocação, ridículo ou escárnio contra outras pessoas, buscando desvalorizar, constranger ou ferir emocionalmente alguém, que é colocado numa posição de inferioridade com relação a quem produz o humor.

Humor autodestrutivo (Self-defeating humor)

Humor de teor autodepreciativo no qual a pessoa que faz a piada se ridiculariza ou se diminui excessivamente para que as pessoas riam dela. Típico do "palhaço da turma", numa classe escolar, por exemplo.

Fonte: adaptada de Martin et al. (2003).


A perspectiva relacionada ao estilo favorece classificações únicas, ou seja, para cada uma das postagens somente um estilo. Este foi o procedimento adotado. É válido notar, porém, que não classificamos nenhuma postagem do Instagram de Boulos como possuidora de humor autodestrutivo diferentemente do estudo sobre postagens no X de políticos chilenos, realizado por Mendiburo-Seguel et al. (2022). Isso se deve à avaliação que a definição de humor autodestrutivo de Martin et al. (2003) não é adequada para compreender as postagens em que Boulos utiliza a si mesmo como foco do humor. Nesse caso, como será discutido, pareceu mais correto entender o estilo como autoengrandecedor.

Além do estilo, no caso das postagens com humor, outras variáveis foram observadas: se a publicação era originalmente de Boulos ou não e, no caso das postagens com humor agressivo, foram anotados quais eram os alvos cómicos. Em casos desse tipo, por vezes, a crítica envolvia mais de uma pessoa ou grupo social.

Concluindo esse tópico metodológico, notamos que o conteúdo foi categorizado por dois dos autores deste artigo e o outro fez a decisão final, no caso de discordância entre os codificadores. O índice de consenso pode ser considerado satisfatório, pois o cálculo do coeficiente Kappa de Fleiss resultou em 0,76, com 95 % de intervalo de confiança. A verificação das discordâncias indicou que as principais razões estiveram relacionadas à multimodalidade e à intertextualidade de várias postagens, que tornavam a classificação mais complexa. Conforme discutido antes, o humor estabelece barreiras, relacionadas ao seu próprio entendimento; assim, é interessante notar que a codificadora do grupo que tinha maior conhecimento sobre a comunicação de Boulos no Instagram, por acompanhar  o perfil há mais tempo, foi capaz de perceber intenções humorísticas com mais facilidade.

Análises

Foram analisadas 13 321 postagens do Instagram de Guilherme Boulos, o que, no período em estudo, representou a média de 6,2 publicações por dia. O número de postagens publicadas a partir do próprio perfil predomina amplamente: apenas 65 postagens (0,5 %) foram compartilhamentos, destacando -se 12 postagens compartilhadas de Mariana Felix, escritora e militante feminista, e 10 da atual deputada estadual pelo PSOL Ediane Maria. Isso não quer dizer que tudo que é publicado tenha sido feito por Boulos e sua equipe; há conteúdos (charges, vídeos, prints, notícias etc.) de terceiros. No en­tanto, remete à provável estratégia de retenção do usuário da internet no perfil do político.

Do total de postagens, 11 248 (84,4 %) foram categorizadas como não humorísticas e 2073 (15,6 %) como possuidoras de humor. Embora a proposta do artigo seja a de se concentrar no conteúdo com humor, a observação do conjunto nos permite notar que o Instagram é usado por Boulos para: 1) divulgar posicionamentos políticos ou sobre temas de discussão pública3; 2) criticar adversários, o que é feito, com frequência, como veremos, com o uso de humor; 3) rebater desinformações e fake news sobre si e sobre o MTST4; 4) informar sobre iniciativas, ações e agendas políticas, incluindo viagens ao exterior, encontros com outras lideranças e participações em programas dos meios de comunicação5; 5) realizar apelos mobilizatórios, convocando seus apoiadores para comícios e tuitaços ou pedir colaboração (trabalho ou doações) para suas campanhas6; 6) divulgar conteúdos de campanhas eleitorais, como peças de propaganda política e participações em debates eleitorais7.

Além desse tipo de postagem de caráter, por assim dizer, mais público, Boulos usa o perfil para publicar fotos e vídeos de seu cotidiano (por exemplo, torcendo para o seu time de futebol), de sua vida familiar, com a esposa, filhas e outros parentes, ou lembrando dos aniversários de pessoas próximas ou aliados políticos8. Embora minoritário, esse grupo de publicações remete à tendência contemporânea de personalização da comunicação política, que ressalta o apelo e o carisma individual dos líderes políticos. Isso também se combina, no caso de Boulos, à tentativa de transmitir a imagem de pessoa "comum", "do povo" — e, não por acaso, o carro de Boulos, um Chevrolet Celta, tornou-se personagem de campanhas e postagens.

O perfil do Instagram é eminentemente político e, por isso, não surpreende que os três picos de postagens destacados na Figura 1, a seguir, sejam de períodos eleitorais. A agregação dos dados é mensal e o primeiro pico é de agosto de 2018; o segundo — o mais expressivo — é de novembro de 2020; já o terceiro, de setembro de 2022. Nos períodos de campanha eleitoral, descritos no item metodológico, as médias diárias de publicação no perfil de Boulos são mais elevadas do que no geral: 11,9; 18,9 e 10,7 postagens, nas campanhas de 2018, 2020 e 2022, respectivamente.

Figura 1. Postagens do Instagram de Boulos


A publicação de conteúdo com humor, no perfil de Boulos, começa a ganhar mais destaque a partir de 2021, como mostra a Tabela 2, pois o percentual do ano mencionado é mais do que o dobro daquele do ano anterior.

Tabela 2. Postagens sem e com humor no perfil de Instagram de Boulos

 

2018

2019

2020

2021

2022

2023

Total

n

%

n

%

n

%

n

%

n

%

n

%

n

%

Não humor

2232

92,3

855

91,4

2.954

89,8

1.995

78,6

1.797

73,8

1.415

83,0

11.248

84,4

Humor

186

7,7

81

8,6

337

10,2

542

21,4

637

26,2

290

17,0

2.073

15,6

Total

2418

100,0

936

100,0

3.291

100,0

2.537

100,0

2.434

100,0

1.705

100,0

13.321

100,0

O humor é importante no perfil no Instagram de Boulos; entretanto, somente na campanha de 2022, o percentual de postagens com humor é maior (23,7 % [Tabela 3]) do que a média geral de publicações desse tipo (15,6 %).

Tabela 3. Postagens sem e com humor no perfil de Instagram de Boulos, durante o período das campanhas eleitorais de 2018, 2020 e 2022

 

Campanha 2018

Campanha 2020

Campanha 2022

n

%

n

%

n

%

Não humor

799

91,6

1.052

87,4

615

76,3

Humor

73

8,4

152

12,6

191

23,7

Total

872

100,0

1.204

100,0

806

100,0

Quanto ao estilo de humor utilizado nas postagens, o que predomina é o que se volta contra diferentes adversários, personalizados (indivíduos) ou situações (governos, medidas ou propostas). Assim, a Tabela 4 mostra que as postagens com humor agressivo são sempre em número maior do que as das outras categorias, atingindo significativos 93,3 % das postagens com humor em 2021.

Tabela 4. Estilos de humor das postagens de Guilherme Boulos no Instagram

 

2018

2019

2020

2021

2022

2023

Total

n

%

n

%

n

%

n

%

n

%

n

%

n

%

Agressivo

136

73,1

72

88,9

205

60,8

506

93,3

479

75,2

244

84,1

1.642

79,2

Afiliativo

34

18,3

4

4,9

113

33,6

22

4,1

139

21,8

22

7,6

334

16,1

Autoengrandecedor

16

8,6

5

6,2

19

5,6

14

2,6

19

3,0

24

8,3

97

4,7

Total

186

100,0

81

100,0

337

100,0

542

100,0

637

100,0

290

100,0

2.073

100,0

O estilo de humor afiliativo, mais leve e que ajuda a estabelecer coesão entre os participantes da situação cómica, é geralmente o segundo em todos os anos. Entretanto, quando são contabilizadas somente as postagens com humor feitas nos períodos de campanhas (Tabela 5), observa-se que, na exitosa campanha digital de Boulos de 2020 — que o ajudou a disputar o segundo turno da prefeitura de São Paulo —, o humor afiliativo foi majoritário.

Tabela 5. Estilos de humor das postagens de Boulos, durante o período das campanhas eleitorais de 2018, 2020 e 2022

 

Campanha 2018

Campanha 2020

Campanha 2022

n

%

n

%

n

%

Agressivo

51

69,9

50

32,9

117

61,3

Afiliativo

13

17,8

92

60,5

68

35,6

Autoengrandecedor

9

12,3

10

6,6

6

3,1

Total

73

100,0

152

100,0

191

100,0

Uma possível explicação para o menor índice de humor agressivo na campanha de 2020 está relacionada à ideia de que o humor agressivo tende a ser usado por políticos menos conhecidos, em busca de atenção (Mendiburo-Seguel et al., 2022), o que não seria o caso nesse momento. A despeito disso, no contexto da campanha 2022, o percentual de humor agressivo volta a subir e, como mostrado pelos dados da Tabela 4, é predominante em todos os anos no Instagram de Boulos. Embora a eleição para deputado federal fosse considerada praticamente garantida, devido ao grau de conhecimento  que o eleitorado tinha do candidato após a eleição para a prefeitura, dois anos antes, Boulos tinha objetivos de colaborar com a campanha presidencial de Lula e de ser o deputado mais votado do estado, como acabou ocorrendo. Assim, o slogan de campanha "Pra cima deles!", utilizado em 2022, estava afinado com a perspectiva combativa, alinhada ao regresso do protagonismo do humor agressivo.

Tabela 6. Alvos do humor nas postagens de Boulos

 

2018

2019

2020

2021

2022

2023

Total

Jair Bolsonaro

38

30

102

307

320

131

928

João Doria

1

0

10

59

20

0

90

Paulo Guedes

0

1

16

41

25

2

85

Eduardo Bolsonaro

1

2

2

7

57

9

78

Sergio Moro

4

11

7

6

33

7

68

Ricardo Nunes

0

0

6

7

12

36

61

Tarcísio de Freitas

0

0

0

0

11

35

46

Flávio Bolsonaro

0

3

9

12

18

4

46

Carlos Bolsonaro

0

0

2

9

16

8

35

Eduardo Pazuello

0

0

2

20

3

0

25

Ainda a respeito do humor agressivo, a Tabela 6 indica quais foram os dez principais alvos. Jair Bolsonaro tem forte destaque, com número muito maior do que os outros, até do que o resultado da soma (534) deles. Os outros alvos são políticos ligados ao ex-presidente ou ao campo ideológico do centro e da direita. A crítica a essas pessoas tende a se acentuar, em figuras do plano estadual e nacional, nos anos de 2021 e 2022. A continuidade da crítica com o uso de humor ao atual prefeito paulistano, Ricardo Nunes, indica o interesse de Boulos nesse cargo.

As críticas com humor a Jair Bolsonaro (e seus filhos) começaram já na campanha presidencial de 2018 e cresceram ao longo do tempo. Os efeitos de humor, usando recursos como a ironia, o sarcasmo e o deboche, remetem a supostas incoerências relacionadas às propostas e aos comportamentos, bem como às ações e às afirmações controversas feitas por ele, com destaque para as críticas à gestão administrativa do país e da pandemia  da covid-19. O endereçamento das piadas é claro, direto, e o efeito de humor depende, consideravelmente, da adesão do receptor à crítica elaboada. Alguns exemplos são mostrados na Figura 2.

Figura 2. Postagens com humor agressivo contra Jair Bolsonaro

Fonte: postagens do Instagram de Boulos. https://www.instagram.eom/p/BpHHYBdleDQ/ (19/10/2018) e
https://www.instagram.eom/p/B_koubZJWq7/ (29/04/2020)


Como dito, o perfil é sobretudo político, e o humor afiliativo também possui, geralmente, essa característica. Piadas que envolvem o sobrenome "Boulos", imagens descontraídas ou inusitadas com ele e aliados (como Lula), sob um prisma positivo, por vezes tentando transmitir otimismo a respeito de resultados eleitorais são comuns nas mensagens desse estilo. Mesmo aquelas mais cotidianas, de teor "fofo", buscam transmitir a ideia de um político com certos compromissos. Assim, em postagem que contêm a foto de uma prova realizada por sua filha, na qual ela colocou como resposta "Direito à moradia" para uma questão sobre o que seria algo importante para uma criança, Boulos comenta: "Imagine a felicidade do pai quando vai ver as provas do bimestre da filha de 7 anos e encontra essa resposta. Laurinha, pai te ama!"9.

Nos casos de humor afiliativo da Figura 3, os comentários de Boulos chamam atenção: o da publicação da esquerda — "Coisas da internet..." — indica a tendência de várias postagens de humor, de todos os estilos, terem relação com formas cómicas das redes sociais, com a reelaboração de memes e paródias de cartazes ou cenas de filmes (por exemplo, a notória cena de Hitler em seu bunker satiriza Jair Bolsonaro em postagens10). Já na outra publicação, o comentário irónico — "Nem tudo é política... " — ressalta, justamente, a importância da política no perfil.

Figura 3. Postagens com humor afiliativo

Fonte: postagens do Instagram de Boulos. https://www.instagram.eom/p/CFmQYbgJ7mB/ (26/09/2020) e
https://www.instagram.eom/p/CinEYol_uZjd/ (17/08/2022)


O humor autoengrandecedor foi entendido como aquele em que Boulos elabora um enquadramento diferenciado a críticas ou situações negativas que o envolvem. O uso desse tipo de humor ocorre, na maior parte das vezes, para rebater críticas a ele ser um "invasor" que "ocupa" propriedades alheias ou extremista "radical", como exemplificam as postagens da Figura 4.

Figura 4. Postagens com humor autoengrandecedor

Fonte: postagens do Instagram de Boulos. https://www.instagram.eom/p/BnIGzl_slrzh/ (30/08/2018) e
https://www.instagram.eom/p/CHqp7P0ppuC/ (16/11/2020)

Pode-se dizer que o humor autoengrandecedor, assim como as publicações no estilo afiliativo nas quais o próprio Boulos é personagem, busca transmitir a imagem de pessoa bem-humorada, "pra cima", capaz de rir de si mesma, sem o negativismo do humor autodepreciativo. Além disso, insere o político em situações que permitem rebater críticas ou, ainda, projetar a identidade de alguém identificado com gostos e práticas populares. Nesse caso, postagens sobre a louça doméstica que se acumula e precisa ser lavada11, erros de gravação de um programa12 ou sobre o "Celtinha" e seus problemas mecânicos13 são exemplares desse humor que ri de situações incómodas. Assim, embora as postagens com esse tipo de humor sejam minoritárias, têm importância na constituição da identidade política de Boulos.

Uma indagação final pertinente é se o conteúdo com humor, no Instagram de Boulos, chama mais atenção, tendo maior alcance na plataforma, o que é sugerido pela literatura internacional. Conforme os dados da Tabela 7, isso ocorre pois a média de reações — a soma de comentários e curtidas de uma postagem — é 79,9 % maior nas postagens com humor em comparação com aquelas sem essa característica.

Tabela 7. Reações às postagens no Instagram de Boulos

 

Comentários

Curtidas

Total de
reações

Média por
postagem

Não humor

4453872

152 669 050

157 122 922

13 968,9

Humor

1 634215

50 463 401

52 097 616

25 131,5

Total

6 088 087

203 132 451

209 220 538

15 706,1


Conclusão

Importa agora, numa discussão final, explicitar limitações do trabalho e retomar as questões de pesquisa à luz das análises. Com relação ao primeiro ponto, reconhece-se que a exploração mais intensa das formas de linguagem e da retórica do humor visto aqui, impossibilitada pelo tamanho do artigo, seria um aspecto enriquecedor do trabalho. Outra limitação está ligada ao plano analítico, prejudicado pela ausência de mais estudos com os quais os resultados desta investigação pudessem ser comparados, para melhor entendê-los.

Já quanto à primeira indagação, sobre a expressão quantitativa e qualitativa do uso do humor nas mensagens, notou-se que 15,6 % das postagens analisadas tinham humor. Postagens com essa característica sempre ocorreram no perfil, no entanto cresceram a partir de 2021. No contexto de campanhas feitas por Boulos, a de 2022 foi a que teve maior percentual de postagens desse tipo: 23,7 %. Isso pode estar relacionado também ao expressivo endereçamento crítico das postagens com humor do perfil ao ex-presidente Jair Bolsonaro, uma vez que, como dito, embora Boulos tenha se candidatado a deputado federal, deu forte apoio à candidatura de Lula.

Para avaliar o significado do número de postagens com humor, como se disse, comparações seriam úteis. O estudo de Mendiburo-Seguel et al. (2022) verifica o percentual de 7 % de tweets com humor numa amostra de diferentes políticos chilenos. Talvez a diferença em favor de Boulos se deva, em parte, a características das plataformas, com o Instagram sendo mais favorável ao humor; outra diferença pode ser a cultura política do Brasil e do Chile, com o primeiro país mais aberto ao humor de políticos. Além disso, há semelhança no predomínio do uso do estilo agressivo, seguido pelo humor afiliativo, por Boulos e pelos políticos chilenos. A ausência atual de estudos brasileiros que possam servir para comparar casos e compreender melhor esses e outros aspectos sugere a pertinência de futuras investigações. Seria interessante verificar, por exemplo, eventuais diferenças no uso do humor por políticos da oposição e do governo, bem como com relação às suas ideologias.

Com respeito à segunda questão de pesquisa, há alterações no perfil de Boulos durante períodos de campanhas, com incremento geral do número de postagens.

Embora o humor agressivo seja predominante como um todo, uma observação importante da pesquisa foi sobre o caráter majoritário do humor afiliativo na campanha de 2020. Isso encaminha uma discussão sobre a última pergunta de pesquisa. Há predominância de humor agressivo, congruente com a posição oposicionista de Boulos, nas postagens analisadas. Isso se relaciona à tentativa de construir uma identidade combativa, de político que se posiciona contra os conservadores e em prol de causas progressistas. Entretanto, combina essa faceta — por meio do uso do humor afiliativo e do autoengrandecedor — com a imagem de um indivíduo bem-humorado, descontraído e "popular". Assim, traça fronteiras entre si e a comunidade que o apoia e os seus antagonistas, igualmente a partir do humor.

O slogan da campanha de 2022 "Pra cima deles", por vezes utilizado como hashtag, possui um "nós" subjacente — composto de pessoas que provavelmente riem dos mesmos alvos e temas privilegiados por Boulos. O humor, em conclusão, serve ao político como mais um recurso para a constituição de sua comunidade de apoiadores.



1 Original: "One of the most common social functions of humor is the construction of solidarity and in-group identity, i.e. the sense of belonging to a group".

2 Um exemplo desse tipo de postagem: https://www.instagram.com/p/BsvHXNigQ3_/, de 17 de janeiro de 2019.

3 A primeira postagem de Boulos no Instagram (https://www.instagram.com/p/Bd0ZjpbF_sl/), em 11 de janeiro de 2018, por exemplo, consiste num vídeo em que critica o julgamento de Lula e convoca uma manifestação sobre isso.

4 Entre outras publicações: https://www.instagram.com/p/BiQTMG5FPF7 (01/05/2018), https://www.instagram.com/p/BxGVcH3ghwT (05/05/2019) e https://www.instagram.com/p/CTSDEy5q3KH/ (01/09/2021).

5 Ver, entre outras postagens: https://www.instagram.com/p/BoM507JF0f3/ (26/09/2018), https://www.mstagram.com/p/CXtDkOiLFHo/ (20/12/2021) e https://www.instagram.com/p/CwTYHdrgBQt/ (23/08/2023).

6 Entre outras publicações: https://www.instagram.com/p/BmgDi79lFn3/ (15/08/2018), https://www.instagram.com/p/CHgqMU7pbUr/ (12/11/2020) e https://www.instagram.com/p/CiQ11YNKlcN/ (08/09/2022).

7 Exemplos: https://www.instagram.com/p/BoSHLjyltGN/ (28/09/2018), https://www.instagram.com/p/CH7yO-vmJgz2/ (23/11/2020) e https://www.instagram.com/p/CkRtE_HJcJK/ (28/10/2022).

8 Por exemplo: https://www.instagram.com/p7Bd2r331lETo/ (12/01/2018), https://www.instagram.com/p/Bwi-Gib9g1Cb/ (21/04/2019) e https://www.instagram.com/p/CIOGRyspW7S/ (30/11/2020).

9 Ver: https://www.instagram.com/p/BvXfplXggE-/ (23/03/2019).

10 Publicações: https://www.instagram.com/p/Ceoa77PDA-l/ (10/06/2022) e https://www.instagram.com/p/Ck-36TX7pRHQ/ (12/11/2022).

11 Ver: https://www.instagram.com/p/CIRBg9Ip_1Y/ (01/12/2020).

12 Ver: https://www.instagram.com/p/CbQm-dFJVDa/ (18/03/2022).

13 Por exemplo: https://www.instagram.com/p/CKaNN_hp00S/ e https://www.instagram.com/p/CKZVotUJV-1/ (ambas de 23/01/2021).



Referências

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