Artigos


Entre ecologia e epistemologia da vida plataformizada:
incorporação, interpassividade e premediação nos processos comunicacionais

Entre ecología y epistemología de la vida plataformizada:
incorporación, interpasividad y premediación en los procesos de comunicación

Between the Ecology and Epistemology of Platformized Life:
Embodiment, Interpassivity, and Premediation in Communication Processes



Vania Baldi 1

1 0000-0002-7663-3328. ISCTE - Instituto Universitário de Lisboa, Portugal.
vania.baldi@iscte-iul.pt


Recebido: 05/08/2023
Submetido a pares: 18/01/2024
Aceito por pares: 10/07/2024
Aprovado: 25/07/2024


Para citar este artículo / to reference this article / para citar este artigo: Baldi, V. (2024). Entre ecologia e epistemologia da vida plataformizada: incorporação, interpassividade e premediação nos processos comunicacionais. Palabra Clave, 27(4), e27410. https://doi.org/10.5294/pacla.2024.27.4.10


Resumo

Este artigo pretende apresentar uma fenomenologia das relações com, através e entre os média digitais num contexto de cultura plataformizada. Analisando um conjunto de práticas sociais mediadas pelas tecnologias digitais, esboça-se a reconfiguração de um novo campo de experiências propedêuticas à formação de novos habitus cognitivos e percetivos. Para a compreensão desse novo cenário sociotécnico, mostra-se a potencialidade heurística de uma metodologia analítica baseada na articulação entre as categorias de media ecology, material engagement e affordance. A complementaridade desses três prismas interpretativos revela-se pertinente no contexto da crítica cultural à plataformização das identidades, dos dispositivos de poder computacional, dos processos de valorização social e da epistemologia que lhes é subjacente.

Palavras-chave: Cognição incorporada; interpassividade; affordance; ecologia mídiatica; premediação.


Resumen

El artículo pretende presentar una fenomenología de las relaciones con, a través y entre los medios digitales en un contexto de cultura plataformizada. Mediante el análisis de un conjunto de prácticas sociales mediadas por tecnologías digitales, se esboza la reconfiguración de un nuevo campo de experiencias propicio para la formación de nuevos habitus cognitivos y perceptivos. Para comprender este nuevo escenario sociotécnico, mostramos el potencial heurístico de una metodología analítica basada en la articulación entre las categorías de media ecology, material engagement e affordance. La complementariedad de estos tres prismas interpretativos resulta pertinente en el contexto de la crítica cultural a la plataformización de las identidades, los dispositivos de poder computacional, los procesos de valorización social y la epistemología que los sustenta.

Palabras clave: Cognición incorporada; interpasividad; affordance; ecología de los medios; premediación.


Abstract

The article explores a phenomenology of relationships with, through, and between digital media within a platformized culture. It discusses a set of social practices mediated by digital technologies, outlining the reconfiguration of a field of experiences conducive to new cognitive and perceptual habitus. To understand this modern sociotechnical landscape, we show the heuristic potential of an analytical methodology that combines the categories of media ecology, material engagement, and affordance. The interplay among these three interpretive frameworks is relevant to the cultural criticism of the platformization of identities, computational power devices, the processes of social valuation, and the underlying epistemology.

Keywords: Embodied cognition; interpassivity; affordance; media ecology; premediation.



A constelação cultural do homo digitalis

É difícil pensar nos nossos diversos hábitos quotidianos sem considerar o pano de fundo tecnológico que os sustenta e articula. É difícil imaginar tais hábitos sem a constante presença de intermitências tecidas por interações, distrações e atenções digitalmente mediadas. A articulação entre os diversos hábitos quotidianos estrutura-se por meio de uma constelação de práticas digitais que, por sua vez, constituem a gramática de uma nova ecologia cognitiva e de uma nova segurança ontológica. Novos hábitos comuns que se mesclam e sobrepõem aos mais tradicionais, que, apesar de diferenciados, gravitam em torno de uma nova condição de existência sociotécnica.

Vários estudos chamam a atenção para a consolidação de um habitus digital constituído por trocas, partilhas, pesquisas, arrebatamentos, absorções, inquietações, euforias e tédios que ocorrem e se sucedem (muitas vezes de maneira sobreposta) no metacontexto que é o mundo "onlife" (Floridi, 2015). Os comportamentos mobilizados pelas tecnologias em rede tendem, simultaneamente, a fragmentar e interligar diferentes atividades do quotidiano, bem como a oscilar entre a inerte impulsividade e o sentimento de autonomia soberana. Às ações/reações/interações assentes numa atitude de repetida imediatez, magneticamente presa numa cadeia irregular de solicitações comunicacionais, mescla-se a complacência de si, ilusoriamente induzida por sensação de independência na gestão dos próprios instrumentos conectivos; tendências essas que andam de mãos dadas com os automatismos e o design ludificado que moldam as funcionalidades dos serviços digitais.

Por exemplo, ao longo dos últimos anos, vários estudos sobre as formas de pesquisar e analisar as informações na rede têm demonstrado que o tempo médio para decidir sobre a credibilidade de um website é de 2,3 segundos. De forma emblemática, esse tipo de concentração aplica-se a tipos bastante diversos de informação, desde sites que se debruçam sobre saúde ou promoção financeira até à compra de viagens ou cursos de formação; independentemente daquilo que procuramos, as nossas práticas de pesquisa revelam que em 2,3 segundos decidimos se queremos ou não confiar naquilo que a tela reflete (Robins e Holmes, 2008).

A relação com os conteúdos e com o formato hipermédia parece ser de tipo pulsional, repercutindo-se na maneira de perspetivar e participar na esfera (fragmentada) da opinião pública em rede. Uma propensão para encarar as discussões de forma pré-reflexiva, como no caso da partilha de tweets ou na votação de posts no Reddit. De facto, foi referido como 59 % dos utilizadores dos Estados Unidos fazem retweet sem terem lido o tweet (Gabielkov, 2016), e 78 % dos utilizadores do Reddit manifestam-se a favor ou contra certos posts sem terem lido os seus conteúdos, apenas com base na tendência determinada pelos comentários de outros (Glenski et al., 2018).

Logo, parecemos estar perante uma "circulation for circulation's sake" (Papacharissi, 2014), uma espiral ociosa e catártica que também afeta o debate público ou as controvérsias intelectuais, um achatamento da dialética refletido pela maneira automatizada, personalizada e aparentemente desintermediada de nos depararmos com informações, sugestões e serviços digitalmente egocentrados. Entende-se por egocentrados não apenas a personalização dos conteúdos ou o design das redes sociais on-line, moldado no sentido de propiciar a construção de guiões e narrativas identitárias, mas também a ideologia focada na projeção de protagonismo no utilizador, idealizado como individuo único, especial e solto dos laços comunitários. Algo refletido pelos topos do "i" que caraterizam vários gadgets digitais (iMac, iPod, iPhone etc.) e inúmeras apps (iRelax, iRun, iCommute etc.), bem como do "you" do "Broadcast yourself e do rótulo de "Me me me generation" escolhido em 2012 para a capa do Time Magazine representar os millenials, representativo, na verdade, de um espírito do tempo individualista (ou de isolação) que abrange as várias faixas etárias.

As indústrias culturais plataformizadas visam, em grande medida, excitar para envolver (engagement), tornar a desapropriação de si no utilizador uma sensação de alegre e energizante participação, disfarçar a sedução gameficada por uma experiência autêntica, emancipadora e rica de significado (Sadin, 2020). Até nas universidades se ensinam tais técnicas, sem se darem conta de ficarem presas, elas próprias e de maneira mais perversa, na mesma bolha do engagement de matriz empresarial (Baldi, 2017).

Juntamente com as excitações narcísicas culturalmente induzidas e partilhadas, também nos deparamos com uns dos lados mais obscuros da via "onlife", mas cada vez mais evidentes, quando entramos em profundidade na análise do sentido de bem-estar entre as várias gerações com hábitos digitais "always on". Sintomas de perturbação constante do humor, de hiperatividade e défice de atenção, e sentimentos de inseguranças ontológicas (Markham, 2021) constituem parte do enredo sociotécnico dentro do qual habitamos. Se alunos universitários norte-americanos não conseguem ficar concentrados mais que 20 segundos na mesma tarefa, e trabalhadores qualificados não aguentam mais que 3 minutos (Savulich et al., 2019), temos então um problema que não é só de saúde pública, mas também político e diretamente ligado com a ideia de humanidade e sociedade que estão a ser cultivadas pela economia e hegemonia cultural que regem as infraestruturas e os serviços digitais (Hari, 2022).

Temas como os da desordem informacional, da polarização nas redes sociais, da atenção dispersa entre uma notificação e outra ou das tendências aditivas nos jogos e no streaming representam um cenário problemático para o homo digitalis e para a app generation. Um cenário promovido por um modelo de negócio e gestão das plataformas assentes na microfísica da captura da atenção, na tesaurização das reações, na transferência de protagonismo nos utentes e na corrente de sensações-estímulos que pontuam as notificações, o scrolling e as interações (sempre "datificadas") entre empresas digitais, comerciais, algoritmos, telas e utilizadores (Andrejevic, 2008).

Como referido por Adam Greenfield no seu Radical technologies: The design of everyday life, as tecnologias contemporâneas desafiam-nos a "conceber-nos como sistemas nervosos em continuidade virtual com o mundo", a reconhecer a "porosidade" da nossa experiência midiática e a confrontar-nos com a nossa "radical incompletude" (Greenfield, 2017, p. 33). Nesse sentido, através de estratégias ancoradas na promoção de um estado de alerta permanente nos utilizadores, com inúmeras solicitações multiplataforma com o intuito de amarrá-los às suas páginas, de gerar estados de "expetativa" e "vigilância", e por meio de um conjunto de gratificações intermitentes baseadas nos feedbacks e nas atualizações periódicas do fluxo informacional, cada um de nós fica sujeito a um involuntário adestramento à prontidão "anedónica" (Fisher, 2021).

A cognição incorporada e o corpo como prótese da tecnologia digital

É cada vez mais pleonástico representar a infoesfera e a tecnologia digital como os motores de transformações radicais na vida económica e política, na organização do trabalho e na mobilidade, nas nossas relações com o conhecimento e com as instituições, bem como, naturalmente, com os media e todos aqueles que tecem os afetos e os interesses do nosso dia a dia. Menos óbvio é observar a maneira de mobilizarem peculiares processos cognitivos e emocionais, percetivos e especulativos.

De facto, um desafio mais subtil é o de considerar os reflexos do atual cenário sociotécnico (embora não exclusivamente determinados por ele) na maneira de vivermos e perspetivarmos a temporalidade, a intimidade, o bem-estar, a curiosidade, a individualidade, a projetualidade, a crítica social, a criatividade, o envolvimento com os outros e a autoperceção da própria presença e pertença ao ambiente circundante.

Para explorarmos essas heterogéneas dimensões (estritamente interligadas) da experiência subjetiva e coletiva, perspetivadas a partir da reconfiguração do prisma tecno-midiático, recorreremos, antes, a uns contributos teóricos e empíricos provenientes das ciências cognitivas e da filosofia da técnica. Tais perspetivas heurísticas permitem analisar aspetos menos visíveis e, todavia, mais profundos, resultantes das nossas relações com o nosso ambiente e com os artefactos que o constituem. Com base nesses conhecimentos, voltaremos a abordar a experiência específica da mediação no contexto da plataformização e da sua economia cultural.

Uma parte da nossa "mente" decorre das condições materiais e dos contextos que objetivamente viabilizam as nossas experiências. Entende-se por mente a cognição incarnada, com os seus processos de incorporação (embodied), integração (embedded), extensão (extended) e enação (enactive) que emergem pela interação com o mundo externo, processos que tornam a mente  irredutível ao cérebro e a abrem a particulares processos de significação simbólica e material (Varela, 1997; Thompson, 2007; Newen et al., 2018).

O século 20 deixou-nos um legado de aprendizagens importantes sobre as repercussões antropológicas associadas ao espaço material onde ha­bitamos e crescemos. Esses ensinamentos lembram-nos de que o ambiente faz, constitui, predispõe as faculdades cognitivas, afetivas e sensoriais dos humanos. A noção de ambiente a que nos referimos não é, portanto, a romântica, a de uma esfera ecológica sempre igual a si mesma, em face da qual seríamos espetadores. Pelo contrário, é a que perspetiva natureza e cultura como inevitavelmente imbricadas, onde o ambiente é considerado "naturalmente" cultural e artificial, isto é, tecnológica e linguisticamente elaborado e reconfigurado, mas também concebido como agente material que orienta os comportamentos dos seres que nele atuam (Von Uexküll, 1982; Malafouris, 2013; Latour, 2015).

Se queremos compreender as relações que temos com a cultura e com os produtos tecnomidiáticos contemporâneos, temos de basear-nos, em primeiro lugar, na heurística do material engagement (Malafouris, 2013), segundo a qual a nossa mente é o produto da nossa ancoragem ao mundo inorgânico a aos signos materiais (material sign) do que dispomos, os quais, agindo sobre as nossas perceções, revelam papel "enativo" ao orientar e transformar o processo cognitivo em dinâmicas concretas de operacionalização e sensomotricidade. Segundo essa perspetiva, entre as práticas em que nos comprometemos com as coisas e com a emergência dos nossos hábitos mentais e simbólicos, estabelecem-se relações de codeterminação e coevolução: "we make things wich in turn make us" (ihde e Malafouris, 2019 p. 195).

A "agentividade" material, isto é, a propriedade "enativa" dos signos e artefactos em estimular a nossa reação, e assim desencadear um processo de negociação adaptativa recíproca, revela o quanto o agir humano depende das coisas com as quais entrelaça as suas relações, razão pela qual fica desmantelada qualquer presunção hierárquica (ou primazia ontológica) entre os indivíduos e as coisas que constituem o seu habitat. Nesse sentido, o individuo é apenas um dos elementos que compõem a cadeia de relações paritárias com o mundo inorgânico. "Na tensão dinâmica que carateriza o processo de envolvimento material (material engagement), acontece que às vezes é a coisa que se torna extensão da pessoa. Outras vezes, é a pessoa que se torna uma extensão do agente material" (Malafouris, 2013, p. 147).

As interações adaptativas que ocorrem dentro desse processo de envolvimento material podem levar a transformações ideativas (imaginação incorporada) e efetivas das propriedades do mundo material. Enquanto o procedimento interativo se vai desenrolando, novas possibilidades de organização da relação entre orgânico e inorgânico vão emergindo (num processo semelhante ao definido por Chomsky, na sua filosofia da linguagem, de "rule-making creativity"), determinando uma remodelação das combinações (cognições) entre atividades orgânicas e inorgânicas.

Tais processos confirmam como a nossa relação com o mundo material e inorgânico é constitutivo da nossa cognição. Nesse sentido, ihde e Malafouris (2019) definiram o neologismo thinging para afirmar que não pensamos nas coisas, mas através e com elas.

Como foi dito, por um lado, as coisas podem estender-nos de forma protésica, por outro, somos nós que podemos vir a ser objeto de extensão. Num contexto digital, a complexidade dessa relação aumenta. Contrariamente à perspetiva da era da eletricidade representada por McLuhan (1964), que, em Understanding Media, concebia os meios tecnológicos como exteriorização/extensão das capacidades humanas, na era digital, deparamos com fenómenos que também vão na direção da interiorização destes. Entende-se por interiorização o uso de alguns dos nossos órgãos corpóreos (como no caso das retinas ou da pele, que analisaremos à frente), sendo perspetivados como partes integradas de aplicações digitais que utilizam o nosso suporte orgânico para desempenhar as suas funções tecnológicas.

Os Google Glass, por exemplo, relançados no mercado em 2019 com uma Enterprise edition 2, são descritos como um heads-up display que inclui tecnologia de eye tracking e funciona através de retinal projection. A nossa retina seria a tela onde é projetada a informação a partir de um micro  display físico (near eye display) posto nos óculos. Sem o aproveitamento da nossa retina, seria impossível nos beneficiar da realidade aumentada pelos óculos da Google1.

Outro exemplo emblemático da interiorização tecnológica envolve a pele, o nosso órgão mais extenso. Existem pensos ou tatuagens temporárias smart que são utilizados para monitorizar e mostrar dados sobre a nossa saúde, funcionando como display, e outros que são utilizados como trackpads para gerir displays ou funcionar como interfaces tácteis para a troca e partilha de dados. A nossa pele tornar-se-ia um touch-screen, que, ao tocar com os nossos dedos, devolver-nos-ia a informação, desempenhando a função de augmented skin2. Estes e outros exemplos (como o caso da criptomoeda biométrica "Worldcoin", realizada pela OpenAI, baseada na identificação pessoal através do scanner da íris realizado pela câmara do smartphone) remetem-nos para um cenário onde a nossa corporeidade funciona como "quase-prótese" ("quase" por ser mediador temporário entre orgânico e inorgânico) da tecnologia conetiva (Carbone, 2021; Carbone e Lingua, 2023).

Resumindo, atualmente, entre os inúmeros elementos que constituem e amplificam a nossa realidade ambiental, cabem, "naturalmente", os meios de comunicação (desde a rede elétrica até aos sistemas de inteligência artificial, passando pelos correios, os cartões de crédito e os satélites), bem como a circulação das suas diversas mensagens, imagens, sons e as infraestruturas informáticas que filtram e medeiam todas essas articulações entre objetos, marcas, informações, pessoas e organizações.

De modo coerente ao que foi referido acima, mas acarretando maior grau de complexidade, a nossa abordagem ao mundo, concreta ou abstrata, assim como as nossas propriocepções e tendências em sermos mais ou menos autorreflexivos, baseiam-se não apenas na cadeia de ações e retroações ativadas pela materialidade predefinida do espaço circundante, como também pelo fluxo do ecossistema midiático em que estamos mergulhados.

Conexões ininterruptas, linguagens hipermédias, comunicações em streaming participam na cocriação das nossas "mentes", resultando estas de um treino permanente com as coisas e "não coisas" através das quais comunicamos: plataformas e apps, emojis, publicidades e algoritmos, atualizações de estado e notificações, entre outras, tecem o pano de fundo movediço da nossa experiência psíquica e física com o mundo social em rede.

Os dispositivos digitalmente conectados desafiam, portanto, uma diferente polaridade na relação entre corpos e coisas. Adquirir experiências com e através das tecnologias conetivas, ser envolvido e envolver-se num processo conjunto de incorporação e adaptação a elas, desafia novas formas enativas de simbolização e ação. Considerando a porosidade da nossa cognição em face das normais interferências materiais, os novos dispositivos digitais com os quais atualmente lidamos, desenhados e programados com o intuito de determinar respostas, sensibilidades, partilhas e atitudes específicas, determinam outro cenário de "acoplamento" (Simondon, 1958) cognitivo.

Em que medida podemos então questionar-nos se a nossa capacidade de adaptação à objetividade do mundo material é transponível nas relações com os ambientes digitais. Até que ponto podemos reconfigurar plasticamente as regras que organizam internamente as nossas relações com programas automatizados, projetando-lhes assim significados diferentes dos predefinidos? A ecologia dos media contemporânea proporciona mais conexões ou divisões e fragmentações?

Entre habitus e affordances: a experiência interpassiva

Entramos assim num cenário analítico e empírico onde intervêm pelo menos três agentes: a causalidade fisiológica, a tecnológica e, desafiada por esta última, algo de parecido ao que o antropólogo Alfred Gell (1998) chamou de "uma agentividade de segunda ordem que os artefactos adquirem no seio de uma determinada estrutura de relações sociais" (p. 17, grifo no original).

Se anteriormente destacámos o contributo das ciências cognitivas para enquadrar a maneira dos contextos ambientais e materiais mobilizarem peculiares processos mentais, agora poderemos destacar algumas contribuições provenientes da epistemologia dos media e da antropologia cultural para ampliarmos a compreensão sobre processos comportamentais relacionados com as transformações midiáticas dentro desses mesmos ambientes. Se, pelo material engagement, considerámos o efeito retroativo de espaços materiais predefinidos na génese cognitiva dos indivíduos, agora as relações de ajustamento mútuo com o ambiente midiático abrangem entidades cujas definições estão constantemente em devir através da função exercida pela intermediação constante sugerida por atores sociotécnicos sempre emergentes (Grusin, 2010).

Nesse sentido, o campo de investigação denominado "media ecology" tem ajudado a definir uma epistemologia baseada na incidência de transformações tecnológicas e midiáticas em vários aspetos da vida cultural e da psicologia social. Segundo a perspetiva aprofundada pela escola fundada por Neil Postman (1979), tais transformações não são aditivas nem subtrativas, não acrescentam nada de particular ao, nem retiram nada de particular do, ambiente cultural em que se irradiam e enraízam, mas geram uma mudança geral das condições de experiência. Logo, a estrutura das nossas disposições antropológicas muda, isto é, os novos ambientes midiáticos alteram as coisas em que pensamos e alteram o carácter dos nossos símbolos, isto é, as coisas com que pensamos (Postman, 1979).

Nessa perspetiva, os nossos pensamentos, interesses e perceções geram-se e desenvolvem-se num contexto materialmente determinado, também, pela tecnologia que suporta as nossas possibilidades comunicativas. Considerando esse prisma metodológico, podemos frisar que a cada ambiente histórico corresponde uma disposição psicológica e sensoriomotora que reflete os estímulos tecnológicos externos.

Transformações antropológicas e mediamorfoses entrelaçam-se. O sistema nervoso de cada sujeito envolvido no uso de instrumentos e métodos específicos de trabalho e comunicação fica exposto a consequentes (des)equilíbrios psicomotores, a modulações específicas do próprio sentir, a determinados processos de simbolização adaptados ao entorno tecno-midiático onde atua. Constituindo um fundo frequentemente invisível às nossas atividades:

as infraestruturas são a matéria que permite o movimento de outra matéria. A sua ontologia peculiar reside no facto de serem coisas e também uma relação entre coisas. [...] As estradas e os caminhosde-ferro não são apenas objetos técnicos, mas também operam ao nível da fantasia e do desejo. Codificam os sonhos dos indivíduos e das sociedades e são os veículos através dos quais essas fantasias são transmitidas e tornadas emocionalmente reais. (Larkin, 2013, pp. 329-333)

As transformações ecomidiáticas não sugerem apenas a emergência de novas linguagens simbólicas, mas também corporais. Como foi explicado também pelos estudos antropológicos sobre as "técnicas do corpo", isto é, os modos como os seres humanos adquirem competências corporais ao estabelecer relações íntimas e de dependência com os instrumentos que têm à disposição (Mauss, 1950), a nossa corporeidade é tão porosa e maleável que até as nossas posturas, os nossos gestos, tiques e temperamentos correspondem às maneiras enraizadas de lidar com o nosso entorno quotidiano. Também no âmbito da sociologia é notória a influência da noção de habitus de Marcel Mauss sobre a que idealizou Pierre Bourdieu (1983), isto é, o habitus como "sistema de padrões percetivos, de pensamento e de ação, adquiridos ao longo do tempo e gerados por condições objetivas" (p. 91).

Tais estudos têm demonstrado (muito antes da neurociência) que alguns modos de ser e agir não se aprendem, mas antes se prendem ou pegam, como se de um vírus se tratasse. O habitus não passa pela mediação consciente da razão, mas pelo contacto frequente com aqueles que nos são mais próximos, com os seus específicos modos de agir e interagir com os outros. Os objetos técnicos, naturalmente, contribuem para performar tais processos. Contudo, se os nossos gestos e hábitos corpóreos resultam de um processo de proximidade e interação constante com os seres e as coisas que protagonizam o nosso quotidiano, então também estamos antropologicamente sujeitos a sofrer fenómenos de deskilling. Ao mudar de entorno sociotécnico e de práticas que eram habituais, ganhamos, mas também perdemos competências. Nesse sentido, as nossas relações com as tecnologias digitais têm reconfigurado os nossos hábitos e, portanto, parte das nossas habilidades antropológicas, ideativas, mnésicas, reflexivas, críticas, sociais etc.

Para afunilarmos tal reflexão, é interessante recuperar um conceito oriundo da psicologia ecológica e muito utilizado na área do design: o de affordance. De facto, como é sabido pelos produtores de conteúdos e linguagens multimédia, bem como de dispositivos e serviços digitais, os objetos e os media exercem em nós uma affordance (Gibson, 1979; Norman, 1990), isto é, estímulos e piscares de olhos que sugerem um modo específico de interagir com eles e, através deles, com o resto do mundo com o qual nos ligam e medeiam. Como já referimos, numa aceção mais abrangente, podemos considerar o ambiente caraterizado não apenas pela presença de recursos físicos naturais, mas também pela materialidade dos dispositivos técnicos e midiáticos. Considerar um leque de recursos materiais e semióticos mais abrangente implica que se considerem também como marcadores "enativos" do ambiente as relações, as reações e as trocas dinamizadas a partir desse enredo ecomidiático (Hutchby, 2001).

Na sequência desses apêndices à noção de ambiente, a experiência da affordance pode ser concebida de maneira mais complexa, acrescentando desdobramentos analíticos como o de "imagined affordance" (Negy e Neff, 2015). Tal definição visa sublinhar os aspetos emocionais e as expetativas dos utilizadores nas interações com as tecnologias. Segundo essa perspetiva, o processo de receção e fruição dos serviços tecnológicos resulta de uma mediação entre a imaginação em torno das suas affordances e as utilizações concretas destes, diferenciando nos microcontextos os seus efeitos. Outra análise sociologicamente relevante sobre as dimensões da affordance (McVeigh-Schultz e Baym, 2015) assinala como os efeitos de uma plataforma digital derivam do encontro e do diálogo entre vários utentes, que, ao partilharem opiniões e conhecimentos sobre as caraterísticas das tecnologias em questão, definem específicas normas de utilização ('vernacular affordance").

Numa perspetiva mais ampla, podemos considerar, por fim, que os efeitos das affordances também mobilizadas pelos social networks online dependem não apenas das suas funcionalidades, do design ou dos algoritmos, mas também de várias interações e negociações entre vários grupos de stakeholders, investidores, empresas, criadores, mediadores, regulamentadores e utilizadores (Bucher e Helmond, 2018). Todavia, na teia dessas trocas negociais, há relações de forças assimétricas que moldam e direcionam o seu devir. Há atores sociotécnicos que possuem os capitais necessários e determinantes para condicionar ou chantagear os interesses e as cosmovisões dos outros atores, impingindo condições de trabalho, criatividade e entretenimento correspondentes aos próprios interesses (Poell et al., 2021).

Tais abordagens ao conceito de affordance confirmam a necessidade de perspetivar a experiência digital de forma mais estratificada. Podemos acrescentar que as produções tecnológicas não carregam consigo apenas as ideologias dos seus produtores e dos discursos que as enredam, mas exprimem em si ideologias concretas baseadas nos usos e nas práticas comunicativas que vão sedimentando através da sua integração (e possível ressignificação) na vida quotidiana (Sõderberg e Maxigas, 2022).

Porém, não se pode não constatar que existem tendências comunicacionais em rede que se instalaram e propagaram massivamente, de forma especular e mimética, confirmando uma genealogia dos comportamentos sociais assentes em "sensologias" (Perniola, 1991), em que o que se torna culturalmente expectável acaba por instituir um sentir comum, mas, todavia, impessoal.

De facto, o nosso ambiente hiperconectado, regido por algoritmos tão ubíquos quanto invisíveis, é dinamizado por solicitações infocomunicacionais direcionadas cirurgicamente aos utilizadores para provocar reações e partilhas através de funcionalidades desenhadas para o efeito, desafiando modelos interativos ambíguos. Aliás, ao analisar o tipo de (re)ações estimuladas pelas várias técnicas de persuasão assistida por computador (também conhecidas como "CAPTology", de computer assisted persuasion techniques), deparamo-nos com uma experiência mais "interpassiva" do que interativa, mais tribal e separativa do que ecológica e intersecional.

Apesar de as telas serem tecnicamente interativas, não está garantido que nós também o sejamos. Se, por um lado, o targeting, os sistemas de eye tracking e autoplay, a maneabilidade dos dispositivos, a organização dos layouts e as funcionalidades do software incitam um determinado tipo de uso dos objetos midiáticos, por outro, uma parte do nosso sentir e da nossa intencionalidade começou a ser transferida para o sentir e para a intencionalidade desses mesmos objetos (Pfaller, 2017). Uma espécie de projeção de subjetividade nas coisas e um fetichismo imanente nas relações com a mercadoria tecnológica destacam uma difusa sensibilidade cultural, também ela com raízes históricas analisadas no âmbito da antropologia e da sociologia da técnica. As performances desempenhadas pelas tecnologias têm historicamente exonerado do peso de se ter de resolver e cumprir muitas das tarefas essenciais no trabalho e na vida quotidiana (Gehlen, 1960), mas, nesse processo reiterado de adaptação à técnica a lógica da customização, inverteu-se, sendo os utilizadores a moldar o próprio sentir, pensar e agir ao das "coisas inteligentes".

Mesmo em termos de relações tradicionalmente consideradas íntimas (e eróticas), a intermediação da tecnologia digital tem vindo a subverter a esfera do sentir subjetivo em favor de um sentir deslocado nas qualidades do objeto. Ao analisar novas tendências de consumo durante a fase da globalização da quarentena, destacou-se um curioso caso de sucesso comercial. Empresas produtoras de sex toys tinham, em poucas semanas, aumentado as vendas em 40 %, mas de um tipo particular de gadget erótico, algo que representa uma nova etapa no imaginário da experiência sexual, o "teledildonismo" (teledildonic devices).

Casais separados, mas sexualmente conectados. Vibradores acionáveis a distância, como drones, acoplamentos remotos, copulações "sem fio". Soluções pós-orgânicas do sexo, que já existiam, mas cuja notoriedade ganhou destaque durante a pandemia (Leder e Jewitt, 2022). App, bluet-hooth, WiFi, smartphone e sex toys interligados em prol de novos cenários para promover a potencialidade do contacto físico sem tato, sem sensorialidade nem símbolos que possam reconduzir a um sentimento de exclusividade ( contactless delivery, contactless payment, contactless thermometer e, finalmente, contactless sex).

A panóplia de funcionalidades e convergências tecnológicas associadas a esses brinquedos do sexo é surpreendente (assim como o vocabulário  promocional utilizado). Foram projetados para responderem também aos constrangimentos dos fusos horários, facultando uma sexualidade assíncrona e faseada (e ainda menos partilhada), possibilitada pela gravação do ato sexual, por parte de um dos parceiros, com o objeto interconectado, e pelo seu arquivo na cloud partilhada, para assim poder ser rematada num outro momento pelo outro parceiro com o brinquedo emparelhado. Novas formas de beata solitudo, in streaming.

Este é um exemplo de ligação que isola (Turkle, 2011), embora revestida de uma aura de excitante performatividade, mas interpassiva, em que o objeto ocupa o lugar do sujeito na ação, em que o sujeito fica numa posição passiva com relação a si mesmo e em vez de interagir com o meio, deixa que o meio, o objeto, faça por si (Žizêk, 2007). Muitas práticas digitais assentam nesse molde cultural; na realidade, pode afirmar-se que este representa uma condição cultural mais abrangente, na qual a manifestação da subjetividade é delegada aos substitutos sígnicos, aos suplementos técnicos, aos simulacros numéricos. Delegar o comprometimento pessoal da experiência social, com os seus processos de incerteza e responsabilização que acarretam, aos "representantes" propostos pelo mercado — como no caso dos brinquedos eróticos, que nos notificariam e agiriam por nós.

Premediação e pré-reflexividade: um curto-circuito ecotecnomidiático

Apesar de parecer uma provocação, a interpassividade remete a uma constelação psicológica forjada pelas sociedades do espetáculo e de consumo, e, em convergência com estas, reforçada pelo imaginário cultural do digital, com as suas estratégias de marketing e com os seus gadgets e softwares encenados como eternamente inovadores. É de facto essencial lembrar que as evoluções tecnológicas chegam a desempenhar papel nivelador para as experiências contemporâneas na medida em que cumprem funções auxiliares à ascensão e consolidação pervasiva da lógica do marketing, isto é, na medida em que adotam e representam com obstinação a cara sorridente, juvenil e "solucionista" do neoliberalismo (Morozov, 2013).

Como é sabido, a colonização da internet por um conjunto de grupos de interesses privados e comerciais tem direcionado os investimentos no desenvolvimento de tecnologias focadas em maximizar os proveitos "capturando" (e colonizando, por sua vez) as atividades dos utilizadores. No contexto das leituras críticas que têm emergido em face da emergência disruptiva dos novos meios para comunicar, produzir, publicitar, datificar, perfilar, consumir, monetizar e viver não se tem deixado de salientar os curto-circuitos entre o surgimento de novos hábitos digitais e a emergência de novas sintomatologias psíquicas e sociais. Ao explorar um conjunto de análises sobre as interações com as novas linguagens hipermédia ressaltam práticas enquadráveis, mais uma vez, como emblemáticas de uma exacerbação da interpassividade.

Pensemos por um momento nos estudos que revelam um novo tipo de gratificação digitalmente induzido — a das recompensas variáveis intermitentes. Na sequência de estudos levados a cabo por Burrhus Frederic Skinner (o pai da psicologia behaviorista), o designer Tristan Harris (2016) explica os truques para prender os utilizadores e os trabalhadores da era digital à própria tela. Segundo o designer que em tempos trabalhou para a Google, o que as diferentes iniciativas de serviços digitais estão a tentar cultivar nas relações com os seus utilizadores não é preferência baseada na credibilidade e na satisfação com o serviço, mas condição de dependência. Estimular o hábito de constantemente verificar as notificações ou o status dos próprios perfis, dos sites de notícias, de apostas, da caixa de e-mail, das previsões do tempo, ou encantar-se em práticas de scrolling em busca de algo compartilhável etc. O ato de agarrar-abrir-olhar para a tela (do smartphone, PC, smartwatch), independentemente de ter de comunicar ou pesquisar uma informação, é um tique consolidado que reflete uma tonalidade emocional específica da relação com o "outro generalizado" digital (assim definia Herbert Mead a perceção que temos daquela que sentimos como a nossa comunidade de referência).

O que revela essa relação com o digital é uma qualidade emergente do nosso sentir assente numa libido "antecipadora". Através dessa relação com as telas interativas, cria-se comunicação intra e intersubjetiva ditada pela urgência da antecipação comunicacional. O exemplo escolhido pelo designer como paradigmático dessa experiência é o do excitamento perante uma slot machine: as recompensas variáveis intermitentes da máquina transformam a experiência da espera, a sua dilatação e suspensão, típicas das práticas multimídia, numa impaciência reativa e imparável. Como se puxássemos a manivela duma slot machine; através do constante refresh nos nossos devices, mais cedo ou mais tarde, a notificação (a recompensa) chega, alcançará de forma mágica a sua epifania, representando a confirmação de uma presença. Mas uma notificação substitui a outra e, a cada intervalo, lá nos lançamos de novo, cansadamente excitados, em busca de novas confirmações que nos consolem.

A libido antecipatória é um traço característico do atual sistema midiático (e nervoso), uma forma de os media transmitirem enredos preocupados com as predições na política, na ecologia, na luta contra o terrorismo, nas estatísticas sobre crimes, desemprego, migrações, nas avaliações constantes sobre as crises económicas infindáveis, nas sondagens, nos rankings, nas análises de testes de esforço (stress tests) para avaliar a robustez económica ou a segurança informática de institutos estatais e privados, nas catástrofes naturais e nos riscos glocais que, de modo crónico, alertam os vários horizontes do nosso céu informacional. Uma forma de estar em face do mundo exemplificada por Richard Grusin com o conceito de "premediação" (Grusin, 2010).

Premediar, afirma Grusin, quer dizer antecipar a mediação dos acontecimentos futuros, presentificar os seus fantasmas, prefigurar situações imprevistas e ansiógenas, é um modo de convocar acontecimentos quando eles ainda não se manifestaram, prevendo-nos na esperança de os prevenir, de forma a estar sempre virtualmente preparados caso se concretizem (mas determinando também constante oscilação entre a sensação de vulnerabilidade e desprendimento). Nesse sentido, os media têm-nos acostumado a imaginar um mundo cheio de ameaças, que paradoxalmente tentam exorcizar com pequenas doses de ansiedades diárias tecidas por relatos jornalísticos e debates televisivos em andamento contínuo, reaproveitados de forma fragmentária nas conversas a circular pelas redes sociais onde anseios e excitações misturam-se e desdobram-se em "construções virais da realidade" (Baldi, 2018) a serem retomadas, mais uma vez, pelos discursos midiáticos.

A cultura da premediação acaba por estruturar os afetos e os percetos que orientam o nosso horizonte cognitivo, um horizonte prospetado por uma política tecnomedial feita de anúncios e retiros, "milagres e traumas" (Perniola, 2009), ênfase e astenia, isto é, retroações circulares respondentes ao fluxo contínuo de informação que serve cada vez menos para consolidar conhecimentos e reflexividade, mas cada vez mais para um adestramento dos sentidos refratários às significações.

A tendência para evitar notícias, e as suas reverberações digitais, apresenta-se como consequente estratégia de defesa ante a tal virulência infocomunicacional. Quer no âmbito das experiências concretas de consumo, quer no dos estudos críticos emergem importantes sinais de rejeição de padrões infocomunicacionais cada vez mais tóxicos. Em correspondência com o caminho traçado por William James (1904), segundo o qual "a arte de ser sábio é a arte de saber o que ignorar" (p. 369), verifica-se interessante convergência entre o aumento do desinteresse por notícias3 e uns manifestos para a desatenção aos produtos dos "engenheiros do caos" (Empoli, 2023), como o caso do Critical ignoring as a core competence for digital citizens (Kozyreva et al., 2023), assentes na adoção de nova práticas e novos hábitos mentais para proteger a nossa atenção das excessivas e duvidosas técnicas informativas.

A cultura da premediação, todavia, implica suspensão epistemológica. Porém, não se trata do efeito de um ponto de viragem epistemológico (epistemological turn) ou do resultado de uma discussão complexa entre diferentes formas de conhecimento, do fruto do aparecimento de um novo paradigma cognitivo proveniente de uma descoberta científica recente, mas antes, como Bernard Stiegler aponta, de algo que reflete o progressivo achatamento dos processos de apreensão, aprendizagem e transmissão do conhecimento (e da sua transformação em pacotes de informação).

Ao denunciar um processo generalizado de computorização do pensamento e conhecimento, estritamente conforme ao culto da prestação (escolar, profissional, física, económica, lúdica etc.) e à organização contemporânea do trabalho assente na promoção de uma ética de prontidão e problem solving, Stiegler também recorre à condição temporal que lhe é de suporte, um "hiperpresente" sobre o qual toda a condição experiencia! se foca, não deixando qualquer espaço de manobra para outras dimensões psicológicas que não sejam superdeterminadas por essa temporalidade magnética.

Tal como vários neurocientistas e psiquiatras que há anos relacionam o aumento de comportamentos com síndromes de hiperatividade ou com tendência para o isolamento, bem como o aumento de distúrbios da atenção, do sono e da memória, com o estar digitalmente hiperconectado a fluxos ininterruptos e difusos de informação, o filósofo francês também acredita que as tecnologias que registam e computam tudo têm efeitos significativos sobre os processos de retenção de memória e, logo, sobre o pensamento profundo e as ações que daí resultam.

Os processos de retenção primária e secundária são, de facto, aqueles através dos quais a consciência se constitui: essa atenção particular profunda permite ao ser humano, a partir de um presente experienciado como significativo, harmonizar o passado (que tem sedimentado) e selecioná-lo e reativá-lo em função de uma protensão psíquica desafiada pela dinâmica dos interesses, dos desejos e das aspirações. Dentro desse processo: "As retenções primárias são, de facto, seleções, uma vez que o fluxo de consciência que és não é capaz de reter tudo: o que reténs é aquilo que és; contudo, aquilo que reténs depende daquilo que já retiveste" (Petit, 2013, p. 381).

Acredita-se que, na economia psíquica de cada um, a importância do papel desempenhado por esses processos psicológicos esteja a diminuir e a ser ultrapassada pela presença de dispositivos de retenção terciária, assumida por memórias externas e clouds interligadas. Num ambiente cognitivamente suportado por memórias externas alojadas na web e regidas por sistemas computacionais sempre à mão, a retenção terciária marginalizaria os processos mnésicos que auxiliam a recombinação psicologicamente dinâmica entre experiências subjetivas, conhecimentos, evocações, elaborações transformadoras e processos metonímicos, bem como prejudicaria a plasticidade da reflexão teórica, com a sua capacidade de abstração, pensamento metafórico e de analisar as diferenças entre fenómenos aparentemente próximos e as semelhanças entre fenómenos aparentemente distantes.

As capacidades hermenêuticas de filtrar e interpretar as relações entre informações, conhecimentos, opiniões e contextos sociais referenciados defrontam-se com a iteração fática da linguagem hipermídia e a fragmentação dos circuitos comunicativos que baralham e de-factualizam tais relações. Em rede, a experiência da mediação entre fluxo informacional e realidade representada ou o aprofundamento das interligações possíveis entre dados, opiniões e factos, bem como o amadurecimento dialético de convicções pessoais, são experiências dificilmente efetiváveis, sendo envolvidas por uma ecologia midiática e um capitalismo algorítmico assentes na omnipresente viralização de conteúdos sem rastos inteligíveis e premediados à medida de inclinações culturais preconcebidas (Pariser, 2011; Baldi, 2018). Uma experiência midiática tão desagregadora das perceções e cognições das relações entre conteúdos, conhecimentos, debates e práxis comunicativa que acaba por tornar-se antissocial e falsamente conetiva (Crary, 2023).

Conclusões: a "esclerose epistémica" desafiada pelas predições computacionais

Um precursor ilustre dessa deriva socioantropológica ligada ao culto pelo desenvolvimento tecnológico (machine worship) e a uma visão ideológica do progresso, foi George Orwell, que, em 1937, ao escrever uma reportagem sobre as condições laborais e os estilos de vida na parte mais industrializada da Inglaterra, ironizava polemicamente acerca dos efeitos perversos da confiança cega nos processos de mecanização:

De facto, não há nenhuma razão pela qual o ser humano deva fazer mais do que comer, beber, dormir, respirar e procriar; tudo o resto pode ser feito por máquinas. Logo, o fim lógico do progresso mecânico é reduzir o ser humano a algo parecido com um cérebro numa garrafa. Esse é o objetivo no sentido do qual já estamos a caminhar, embora, claro, não tenhamos qualquer intenção de lá chegar; tal como um homem que bebe uma garrafa de whisky por dia não tem a intenção de apanhar cirrose do fígado. O objetivo tácito do "progresso" é, não propriamente, talvez, o cérebro na garrafa, mas, em qualquer caso, alguma profundidade sub-humana assustadora de inércia e desamparo. (Orwell, 1958, p. 233)

Nesse cenário de transferência de autoridade moral e competências sociais na inovação tecnológica, o hiperpresente remete-nos não apenas à sobrecarga e dependência informacional ou a um achatamento da experiência temporal em sincronia com as comunicações dos media globalizados num regime "24/7" (Crary, 2015), mas também para outro tipo de experiência temporal promovida pelos sistemas preditivos de inteligência artificial, cuja linha cronológica fica sugada por uma sequela de expectativas inesgotáveis e incumpríveis em face de um futuro que se pretende magicamente antecipar e anunciar. A projeção nos sistemas de inteligência artificial de qualidades oraculares reforça, por um lado, aquela pulsão antecipadora típica nas relações com os media, mas também leva a minar, por outro lado, a função epistemológica (e antropológica) da imaginação baseada nas experiências da falta e da dúvida, algo que constituiria mais uma repercussão crítica da retenção terciária desempenhada pelos dispositivos digitais e que transformaria o imaginar em "e-maginar" ' (Romele, 2019).

A plataformização da experiência social, económica, midiática e política retraduz e implementa tais fenómenos de sobreposição e aceleração temporal em práticas comunicacionais que reproduzem e trocam mensagens de modo mimético e especular, refletindo os automatismos típicos dos sistemas de feedback loop4. Novas formas de emular estilos comunicativos, condutas e raciocínios desafiados pela gramática da linguagem multimídia assente em estratégias de engagement constante. Nessa dimensão de experiência medial vorticosa, o efeito de premediação é gerado por constante iteração de comunicações cujos foco e método consistem em abrir parênteses sem nunca os fechar.

Encontramos essas dinâmicas comunicacionais, por exemplo, também nas organizações das mobilizações sociais através das redes sociais on-line. Nesse contexto de afiliações programáticas e afetivas em rede (Papacharissi,2014), as expetativas sobre o êxito participativo on-line e nas ruas acabam por sobrepor-se, favorecendo um investimento na propagação e nas partilhas dos anúncios e testemunhos pelas plataformas digitais, quer antes dos eventos públicos, quer durante e depois.

O uso de redes sociais para a organização de mobilizações políticas não seria em si mesmo nada de original, uma evolução tecnológica daquilo que já acontecera em 1968, como Alain Corbin (1998) reportou relativamente ao papel desempenhado pela rádio durante as revoltas estudantis. A atualização de notícias pela rádio, na época, foi usada para confirmar e incentivar a mobilização, adquirindo assim características mais focadas nos êxitos promocionais do que concretamente políticos. A diferença com as afiliações em rede, ao contrário do que afirma Papacharissi (2014), é a mudança de uma conceção da ação centrada na performance no aqui e agora para outra estendida numa timeline de 24/7, em que as tomadas de decisões, as mensagens e as partilhas, mesmo apostando em efeitos de propagação contínua (Cardoso, 2023), podem vir a fragmentar-se e dispersar-se de modo centrífugo entre outros fluxos e refluxos infocomunicacionais.

Na sociedade da antecipação alimentada pelo mercado das opiniões, pelos sistemas de predições e pela monetização das interações datificadas, os "verdadeiros" factos correspondem às prefigurações de expetativas (Vogl, 2022). Nesse cenário, uma projeção sobre um acontecimento tem um carácter mais efetivo do que a sua realização, ficando esta relativizada pela iteração de novos anúncios e novas antecipações. As expetativas sobre um facto provocam uma impressão maior de que o facto em si, assim como nas relações públicas é considerada mais valiosa a comunicação sobre um evento do que o evento em si.

Sair da lógica da antecipação e da hipertrofia da expetativa seria uma maneira de retornar à primazia das afiliações criadas e cultivadas no terreno e à paciente ética construtora de percursos partilhados cujos fins não se podem nem antecipar nem medir. Seria também uma forma de se emancipar do frenesim da predição alimentado pelos sistemas de inteligência artificial. Perspetivar os sistemas computacionais como "lâmpadas de Aladino",  de facto, empobrece a nossa relação com o nosso devir no tempo e com o desconhecido que este alberga. Ao mesmo tempo, a moral preditiva enfatiza a relação calculista e instrumental com a vida (privada e pública). Buscar previsões para tomar decisões consequentes prejudica a criatividade generativa, a sensibilidade aos contextos e as potencialidades transformadoras que podem ser sempre alavancadas para uma heterogénese das causas e finalidades.

As sociotécnicas da antecipação remetem-nos a uma esfera cognitiva muito próxima da lógica pré-reflexiva, mesmo quando interagimos com os seus produtos numa base individual e solitária. A autoplay technology é emblemática da cultura da antecipação sem espera. Os melhores exemplos surgem nas diferentes plataformas que produzem e transmitem conteúdos em streaming. Sabemos muito bem como funciona: a sugestão automática e dinâmica de um conteúdo audiovisual apresentado pela plataforma mesmo antes de acabarmos de consumir o conteúdo anterior; ou a outra técnica que consiste em mostrar de forma rápida e automatizada o conteúdo em multimédia no mesmo instante em que o cursor se aproxima da sua imagem; ou, novamente, a reprodução automática de um vídeo alojado na página web que se está a visitar, como também todas as notificações automatizadas baseadas nos mais diversos sistemas de previsões.

Tais regimes computacionais concretizam uma ideia de poder ligada à vontade de prever, controlar e direcionar o futuro. Como é observado por Jacques Attali (2015): "O poder sempre pertenceu àqueles que prevêem, ou àqueles que conseguem fazer crer que são capazes de o fazer, ou ainda, àqueles que controlam os que conseguem prever [...]. A história da previsão é também, num certo sentido, a história do poder" (p. 19).

Ademais, uns dos efeitos da vida plataformizada através de técnicas de captura da atenção (Wu, 2016), predição de comportamentos e personalização de mensagens e conexões levam para uma "esclerose epistémica" (Cabitza et al., 2021), isto é, à perda do hábito em explorar o ignoto, chocar com o imprevisto, confrontar-se com as ambivalências, apreciar a incerteza, habitar a perplexidade e aproveitar das dúvidas para reavaliar as próprias convicções. Um "congelamento do futuro" (Hildebrandt, 2020), o que acontece quando, por exemplo, as predições da inteligência artificial influenciam as antecipações das interações, causando um afunilamento das ações, que contribui para criar um presente diferente daquele que poderia ter acontecido se se tivessem desconsiderado as predições computacionais. A ambição de querer controlar a realidade tentando prevê-la, antecipá-la e encurralá-la através de sistemas computacionais não empobrece apenas a nossa ideia de mundo, refletida na negação da sua inesgotável pluridiversidade, mas também despolitiza e esvazia o potencial crítico e criativo da nossa relação com ele.



Notas

1 Outra tecnologia de realidade aumentada baseada na rentabilização da nossa retina é a Magic leap (www.magicleap.com).

2 Outra tecnologia baseada no aproveitamento da nossa pele é a VEST (versatile extra sensory transducer), idealizada para facultar uma substituição sensorial para os surdos, mas também utilizada como instrumento de suplemento sensorial.

3 Veja-se o último relatório do Reuters Institute: Digital News Report (2023).

4 Uma teoria da ação on-line bloqueada em mecanismos repetitivos, autorreproduzindo-se e não influenciando a realidade factual, é aquela proposta por Jodie Dean (2010).



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