Artigos
Denis Porto Renó 1
Maria Cristina Gobbi 2
Osvando J. de Morais 3
1 0000-0003-0837-4261. Universidade Estadual Paulista, Brasil.
denis.reno@unesp.br
2 0000-0001-5629-5010. Universidade Estadual Paulista, Brasil.
cristina.gobbi@unesp.br
3 0000-0002-9882-0159. Universidade Estadual Paulista, Brasil.
osvando.j.morais@unesp.br
* Esta investigação foi parcialmente desenvolvida com o apoio financeiro do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico Nacional, projeto 402168/2021-6, e com o apoio financeiro da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo, projeto 2022/00459-2.
** La investigación se desarrolló parcialmente con el apoyo financiero del Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico Nacional, Brasil, con el proyecto 402168/2021-6, y con el apoyo de la Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo, Brasil, en el marco del proyecto 2022/00459-2.
*** This research was partially conducted with the financial support of Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico Nacional, Brazil, under project number 402168/2021-6, and Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo, Brazil, under project number 2022/00459-2.
Recebido: 02/08/2023
Aceito por pares: 10/01/2024
Submetido a pares: 26/09/2023
Aprovado: 30/01/2024
Para citar este artículo / to reference this article / para citar este artigo: Renó, D., Gobbi, M. C. e Morais, O. J. (2024). A pós-fotografia de viagem para o desenvolvimento do turismo no novo ecossistema midiático. Palabra Clave, 27(1), e2714. https://doi.org/10.5294/pacla.2024.27.1.4
Resumo
O ecossistema midiático se transformou de forma expressiva após a pandemia da covid-19, vivida entre 2020 e 2022. Dentro dessas transformações, destaca-se um importante segmento econômico: o turismo. Tal transformação foi provocada pelas limitações de mobilidade ocorridas em todo o planeta. Diante disso, a sociedade passou a viver novas experiências "turísticas" em ambientes virtuais, o que nos levou a realizar este projeto, que teve como proposta metodológica a realização do procedimento Ágil Scrum, comumente adotado pelas engenharias, além da observação participante e da pesquisa bibliográfica. O resultado foi a conclusão de uma pesquisa aplicada, que envolve procedimentos teóricos e práticos que ressignificam a fotografia de viagem na nova ecologia dos meios.
Palavras-chave: Comunicação; fotografia; fotojornalismo; ecologia dos meios.
Resumen
El ecosistema mediático se ha transformado significativamente a raíz de la pandemia de covid-19, vivida entre 2020 y 2022. Dentro de estas transformaciones destaca un importante segmento económico: el turismo. Esta transformación ha sido provocada por la limitada movilidad experimentada en todo el planeta. Como consecuencia, la sociedad ha comenzado a vivir nuevas experiencias "turísticas" en entornos virtuales, lo que nos llevó a realizar este proyecto, cuya propuesta metodológica fue utilizar el procedimiento Agile Scrum, comúnmente adoptado por las empresas de ingeniería, así como la observación participante y la investigación bibliográfica. El resultado fue la conclusión de un proyecto de investigación aplicada que involucra procedimientos teóricos y prácticos y da un nuevo significado a la fotografía de viaje en la nueva ecología de los medios.
Palabras clave: Comunicación; fotografía; fotoperiodismo; ecología de los medios.
Resumo
The media ecosystem has been significantly transformed due to the COVID-19 pandemic between 2020 and 2022. Within these transformations, an important economic segment stands out: tourism. This transformation has been triggered by the limited mobility experienced throughout the planet. Consequently, society has begun to live new "tourist" experiences in virtual environments, which motivated us to carry out this project. Its methodological proposal involved the Agile Scrum procedure, commonly adopted by engineering companies, participant observation, and bibliographic research. The result was the completion of an applied research project that involves theoretical and practical procedures and gives new meaning to travel photography in the new media ecology.
Palavras-chave: Communication; photography; photojournalism; media ecology.
Introdução
Vivemos uma visível transformação no ecossistema midiático, especialmente com a digitalização dos ambientes dedicados à comunicação imagética. Com essa nova realidade, a fotografia, que por mais de um século participou como coadjuvante nos processos comunicacionais, agora posiciona-se como protagonista de uma sociedade imagética. Essa reconfiguração resulta de outras transformações, já descritas por diversos teóricos. Uma delas, que observa a relação entre cidadão, conteúdos e dispositivos digitais, é consolidada pela mobilidade proposta por Augé (2007), que, em conjunto com a noção de sociedade individualizada (Bauman, 2008), constrói a característica do humano moderno. Tais mudanças são, na verdade, reconfigurações que trazem em suas bases as características de momentos midiáticos passados, definidos por McLuhan e Potman (citados por Scolari, 2015) como "ecologia dos meios".
Porém, consideramos fundamental contemporizar essa leitura através de novas ideias, como as propostas por Levinson (2012) e Manovich (2017), o primeiro discípulo de McLuhan e Postman, e o segundo proponente de ideias sem tais influências diretas. Entretanto, ambos apresentam uma relação quase orgânica entre cidadãos e meios digitais. Ademais, Levinson e Manovich consideram de primordial importância a interpretação sobre a distribuição/circulação contemporânea, situação impensável para os pesquisadores pioneiros da ecologia dos meios. Isso justifica a existência deste estudo: a mudança tecnológica, estética e narrativa da informação imagética em ambientes comunicacionais com potencial de fomento ao turismo contemporâneo (Renó et al., 2021).
No cenário desse ecossistema midiático descrito, podemos observar uma multiplicidade de conteúdos e linguagens — todas imagéticas —, em que fotografias se transformam em vídeo, vídeos que acabam por compartilhar ou mesmo substituir fotografias, tudo isso em ambientes com interfaces responsivas. Essa reconfiguração é denominada, a partir da ideia de pós-fotografia (Fontcuberta, 2016), "pós-fotorreportagem" (Renó, 2020) e sustenta a proposta desenvolvida nesta pesquisa.
Um ambiente como o proposto por este estudo não se traduz somente por uma nova estética. Ele é composto por uma narrativa diferente, apoiada numa estrutura de complexidade (Dominici, 2021) e somado aos conceitos de jornalismo transmídia (Renó e Flores, 2018) em ambientes essencialmente imagéticos, como o Instagram (Manovich, 2017). Nesse ambiente, a fotografia, que desde o seu surgimento ocupou diversas funções na sociedade midiática, de manifestações artísticas a um popular registro imagético social, agora vive uma reviravolta. Isso se dá não somente pelas tecnologias disponíveis nos aparelhos para registros fotográficos, mas também na própria maneira de pensar da sociedade contemporânea. Isso porque os dispositivos móveis colaboraram de maneira expressiva nessas transformações, e continuam a colaborar.
O artigo que aqui apresentamos resulta de uma pesquisa que considerou como problema central a reformulação do ecossistema midiático contemporâneo após os efeitos sociais, sanitários e econômicos provocados pela pandemia da covid-19, com olhares para a ressignificação do turismo. Justificamos, para a escolha, a importância econômica e, consequentemente, social que o setor ocupava numa sociedade pré-pandêmica e que se transformou ainda mais após o período de emergência sanitária vivida pela humanidade. Dessa reflexão, ficou uma pergunta-base: quais as possibilidades comunicacionais e tecnológicas para o uso da fotografia de viagem no ecossistema digital pós-pandêmico? Para responder a esse questionamento, foram desenvolvidas experimentações para propor e provar novas linguagens para a fotografia de viagem, considerados os já apontados conceitos de pós-fotografia (Fontcuberta, 2016) e sua variante pós-fotor-reportagem (Renó, 2020), somados às ideias de complexidade (Dominici, 2021) e reforçados pelas estratégias de linguagem do jornalismo transmídia (Renó e Flores, 2018).
Para isso, consideramos as manifestações de Henri Cartier-Bresson (2015), que defendeu o valor da fotografia de viagem num momento em que a sociedade contava com mobilidade territorial restrita. Entretanto, isso foi mudando a partir das últimas décadas do século 20 e enfraqueceu a narrativa fotográfica de viagem, obviamente porque as pessoas passaram a viajar fisicamente.
A pesquisa apresentada neste artigo foi concebida como um estudo de caráter aplicado, híbrido entre teórico e prático, e contou com um complexo metodológico sustentado, basicamente, pela pesquisa bibliográfica e pelo método quase experimental. Com os resultados obtidos através dos experimentos, afirmamos que é viável e necessária a reinvenção da fotografia de viagem para oferecer à sociedade experiências preliminares no campo do turismo imagético. Porém, é fundamental esclarecer que o estudo não teve como proposta revisar os conceitos básicos da fotografia, pois consideramos que eles já foram amplamente explorados. Trata-se de uma pesquisa exploratória, de caráter híbrido e experimental, apoiada na inovação midiática. O seu desenvolvimento foi sustentado por um novo ecossistema midiático, com preocupação fundamental no que consiste ser a pós-fotorreportagem de viagem e com o objetivo de relatar o experimento em si para, inclusive, provocar debates e sustentar novas experimentações sobre o tema. Tal esclarecimento se justifica para evitar expectativas equivocadas, especialmente em casos de leituras superficiais sobre o título ou mesmo sobre o artigo apresentado.
Discussões metodológicas do trabalho
Uma investigação que envolva tecnologia é comumente acompanhada de uma finalidade. Em algumas situações, trata-se de um desenvolvimento ancorado em interesses econômicos, sociais e culturais, como os desta pesquisa. Para o seu desenvolvimento, que tem como filosoia a pesquisa aplicada (Renó, 2014), adotamos como plano de trabalho um complexo metodológico composto, basicamente, por pesquisa bibliográfica e método quase experimental no campo da fotografia de viagem. Nosso objetivo fundamental foi o de compreender o potencial da fotografia no desenvolvimento do turismo (Renó et al., 2021), tendo como foco a realidade socioeconômica pós-pandêmica, em que passamos a conviver com uma reformulação dos hábitos e dos potenciais no campo do turismo. Para tanto, desenvolveu-se uma pesquisa bibliográfica conceitual e histórica sobre a temática "fotografia de viagem". A metodologia se justifica em especial quando se trata de uma pesquisa de caráter exploratório, como é este caso. Segundo Stumpf (2006), pesquisa bibliográfica "é o levantamento global inicial de qualquer trabalho de investigação que resulta a identificação e obtenção da bibliografia pertinente sobre o tema, até a apresentação de um texto sistematizado" (p. 51).
Ademais, consideramos como algo essencial uma imersão em produção e experimentação de reportagens imagéticas sobre turismo para observar o status de tais registros como possibilitador de experiência cognitivas geográficas. Para tanto, desenvolveu-se uma observação participante que, segundo Peruzzo (2006, p. 126), consiste:
1. na presença constante do observador no ambiente para que nele possa "olhar as coisas desde dentro" e
2. no compartilhamento de modo consistente e sistematizado por parte do investigador das atividades do grupo ou do contexto que está sendo estudado, ou seja, seu envolvimento nas atividades, além de compartilhar "interesses e casos".
Esses conceitos de Peruzzo fundamentaram e justificaram a escolha pela modalidade. Dessa maneira, foi possível observar fenômenos que responderam aos problemas que orientaram esta investigação. Também foi possível solidificar as possibilidades de respostas encontradas, destinadas ao desenvolvimento de conteúdos que contemplassem o turismo pós-pandêmico.
Para a observação participante, foi analisada uma fotorreportagem turística desenvolvida em ambiente digital para acesso por computador ou dispositivo móvel, intitulada "Paris pandémica" (https://www.chromephotogallery.com/parispandemica) pelo conceito de pós-fotorreportagem (Renó, 2020), com base no potencial cognitivo e narrativo da proposta. Na etapa, desenvolveram-se uma arquitetura transmidiática e, a partir disso, a produção de imagens fotográficas. Essa etapa foi fundamental para compreender o real efeito desses ambientes imagéticos, especialmente no sentido de reconhecer o que Fontcuberta (2016) propõe sobre a pós-fotografia. Para isso, Renó et al. (2019) são claros:
A pós-fotografia, como proposta por Fontcuberta (2011), acontece e suplanta os meios históricos tradicionais herdados da fotografia de película. Os processos encurtam, e a ideia recorrente de pós-processamento que acompanhou os processos fotográficos por tanto tempo têm suas possibilidades ampliadas ao inimaginável. A pósfotografia mixa, ao sabores de um sample musical, as várias possibilidades técnicas junto das mais variadas linguagens em um único toque de um smartphone. (p. 315)
Essa ideia é a base do que Renó (2020) propôs como "uma reportagem jornalística construída em alicerces imagéticos, onde a fotografia assume protagonismo em um cenário compartilhado com o audiovisual, a iconografia, o mapa interativo e o infográfico" (p. 89). Nesse ecossistema midiático, o processo comunicacional acontece a partir da navegação cognitiva pelos nós neurais que conectam os diversos conteúdos, que podem ser estendidos através de informações subjetivas (com a adoção de iconografia ou pela própria informação extracampo de conteúdos imagéticos). O texto assume a função de complemento ao relato, ou seja, uma inversão de linguagem, se considerarmos a hierarquia tradicional do jornalismo no ecossistema midiático tradicional, em que a imagem (normalmente fotográfica, mas também infográfica e iconográfica) complementava a informação textual.
A partir desses conceitos, desenvolveu-se uma pesquisa experimental. Nela, consideramos fundamental a adoção do procedimento Ágil Scrum (Nishijima e Santos, 2013), constantemente adotado em projetos de desenvolvimento de softwares com alto grau de incerteza e funcionalidades pouco definidas, ou até mesmo indefinidas. Vale ressaltar que, apesar de ser uma pesquisa no campo da comunicação, por se tratar de uma proposta aplicada (ou híbrida, como definida por algumas correntes científicas), viu-se a necessidade de buscar metodologias de outras áreas, como a da tecnologia. A partir dessa decisão metodológica, recorremos ao Product backlog, com o uso da aplicação EasyBacklog, disponível em ambiente web e com possibilidade de desenvolvimento colaborativo. Por tratar do desenvolvimento de uma linguagem complexa e para ambientes digitais, o método teve importante função.
Ressaltamos que as metodologias ágeis, como é o caso do Ágil Scrum, são normalmente utilizadas no desenvolvimento de projetos e linguagens pensados para os ambientes digitais (Seabra e Almeida, 2015), tendo como característica principal a organização de tarefas através de um conjunto de sprints, ou seja, diversas etapas com uma duração média de duas a quatro semanas (Nishijima e Santos, 2013), no máximo. A metodologia aqui escolhida foi fundamental para a pesquisa, especificamente na etapa de desenvolvimento da linguagem proposta por ela.
Ainda sobre os passos seguidos na metodologia Ágil Scrum, ressaltamos que o Product backlog define-se como o instrumento em que se desenvolve uma lista de funcionalidades a serem suportadas pela plataforma ou projeto em questão. Para a definição dessa lista de funcionalidades, detectaram-se situações que exigiram do projeto em desenvolvimento uma solução. Essas situações são definidas em pesquisas e procedimentos sobre desenvolvimento de conteúdo digital como "nós neurais" de funcionalidades, para o qual, a partir de um problema, busca-se uma solução. Trata-se de uma simulação cognitiva, ainda que num estágio não aplicado, para a solução de um problema, ou seja, a descoberta prévia de um potencial problema.
Ademais, é fundamental posicionar este trabalho no que diz respeito à nomenclatura adotada para referir-se ao leitor. Por se tratar de um ambiente navegável, consideramos o leitor como usuário, já que ele possui condições de interatividade com o espaço midiático.
Com esse complexo metodológico, desenvolveu-se esta pesquisa aplicada de caráter quase experimental. Para isso, é fundamental recordar que uma pesquisa quase experimental é, normalmente, seguida de uma etapa procedimental de aferição dos resultados alcançados. Para pesquisas no campo das ciências sociais aplicadas, em que este estudo se situa, utilizam-se como procedimentos as análises qualitativas e quantitativas, realizadas a partir de questionários semiestruturados de perguntas fechadas e abertas para especialistas na área de turismo, nomeadamente alunos e docentes da licenciatura em turismo da Universidade dos Açores, em Portugal, como previsto no cerne deste projeto. Ressaltamos que será uma amostragem aleatória e por conveniência (Epstein, 2003), construída voluntariamente pelos participantes. Entretanto, como esta etapa ainda será realizada, os resultados apresentados neste artigo devem ser considerados parciais, a contar apenas com as percepções dos autores.
Ainda assim, adiantamos que, com esse roteiro metodológico, chegou-se a resultados que, consideramos, possibilitam o regresso da fotorreportagem como uma importante solução ao fomento do turismo contemporâneo. Característica essa que havia desaparecido com a simplificação da locomoção interplanetária (Cartier-Bresson, 2015), mas que voltou a ocupar um espaço cognitivo e afetivo durante a pandemia da covid-19 e após esta.
Sobre ecologia dos meios
Estudar sobre os meios e suas evoluções é buscar compreender a ecologia dos meios, uma corrente desenvolvida para entender os processos de evolução midiática vividos pela sociedade. Com os estudos sobre o tema iniciados por Postman e McLuhan em 1971, a ideia foi materializada apenas em 1979 da seguinte maneira:
A teoria dos meios é o estudo dos ambientes humanos. Se preocupa por entender como as tecnologias e técnicas de comunicação controlam forma, quantidade, velocidade, distribuição e direção da informação; e como essas configurações ou preferencias de informação afetam às percepções, valores e atitudes das pessoas. (Postman, 1979, p. 186)
Cabe-nos considerar, nesta pesquisa, algo fundamental nos estudos sobre ecologia dos meios: a transformação de um meio em outro, e não o seu desaparecimento. Para tanto, recordamos a ideia de McLuhan (1974), para quem "os meios interagem entre si. A rádio transformou o formato das notícias, tanto quanto transformou a imagem do cinema sonoro. A televisão provocou mudanças drásticas na programação da rádio" (p. 78). Ou seja, o que encontramos neste estudo não é o fim de uma era, senão a transformação de algo a partir do surgimento de outras realidades.
Para corroborar com esse entendimento, trazemos a interpretação de Gencarelli (2015) sobre uma ideia de Postman sobre ecologia dos meios. Segundo o pesquisador norte-americano, Postman definia a ecologia dos meios da seguinte maneira: "Se deixamos cair uma gota de tinta vermelha num recipiente com água, essa tinta se dissipa no líquido, colorindo todas as moléculas. Isso é o mesmo que as transformações ecológicas dos meios" (citado por Gencarelli, 2015, p. 133).
De fato, o que ocorre é uma evolução dos meios (Scolari, 2015), e não a substituição de um meio por outro. Sempre que surge algo, este traz em si resquícios de experiências midiáticas anteriores. Pensemos na própria fotografia. Quando surgem os primeiros experimentos sobre fotografia, o que testemunhamos foi a criação de algo em preto e branco, a partir dos conceitos da pintura. Logo em seguida, presenciamos a chegada de registros imagéticos em cores, que trouxe em sua essência diversos conceitos da fotografia em preto e branco. Finalmente, com a fotografia digital, "materializada" por pixels, vemos a reprodução cultural e estética da fotografia em papel.
Disso se trata a ecologia dos meios: o estudo dos espaços midiáticos como ambientes, atento à estrutura, ao conteúdo e ao seu impacto na sociedade. Por essa razão, consideramos esta pesquisa essencialmente como um estudo no campo da ecologia dos meios. Não pretendemos, com os resultados aqui apresentados, negar a existência de algo anterior, mas propor a reflexão sobre novas possibilidades oferecidas pela reconfiguração do ecossistema midiático, tanto no que diz respeito à tecnologia quanto à cultura da própria sociedade.
Experimentação
O experimento é parte fundamental desta pesquisa, como foi apresentado no tópico metodologia. Cabe-nos ressaltar, inclusive, que a ideia de pesquisas com etapas experimentais, denominadas "aplicadas" (posterior aplicação dos resultados em realidades cotidianas), é de total relevância para a área de comunicação, tradicionalmente dedicada a pesquisas essencialmente teóricas. Para tanto, definiu-se uma rotina apoiada em metodologias de outras áreas, como a Ágil Scrum, apontada na metodologia. Os resultados são apresentados neste tópico, considerando apenas as percepções dos autores, já que a etapa que contemplará os questionários semiestruturados com especialistas do setor do turismo ainda não foi realizada.
Para o desenvolvimento do experimento, deiniu-se, previamente, o tema da fotorreportagem de viagem. Para tanto, e a considerar o período de pandemia que ainda assolava o planeta, decidiu-se (inclusive por questões sanitárias, mas também por temas relacionados à viabilidade econômica e de mobilidade à época) por retratar Paris. Ademais, a capital francesa é uma das mais importantes cidades do planeta no que diz respeito ao turismo, por ser uma das mais visitadas. De antemão, chegou-se ao título da fotorreportagem: "Paris pandémica", pois retratava a cidade nesse período.
A etapa seguinte foi contemplada pela produção de fotos, nomeadamente em janeiro de 2022, em uma viagem à cidade. Para tanto, foram produzidas 1.904 fotografias em cinco dias, a maioria delas com registro de pontos turísticos. Entretanto, por se tratar de uma fotorreportagem (que carrega em si conceitos jornalísticos) e de viagem, consideramos que era necessário mostrar a cidade em si. Ou melhor, era fundamental trazer o usuário para uma "viagem" pela cidade, e isso nos levava a fotografar lugares comuns, do cotidiano. Ao inal, e com a edição e o tratamento do material fotográico, chegou-se a um acervo de 38 fotograias de Paris.
A terceira etapa, de fundamental importância para a produção do experimento, foi a definição de uma estética que revelasse a cidade de forma icônica. Para tanto, buscou-se uma interface leve, clara (assim como a cidade luz) e com tipologias dos títulos relacionadas à caligrafia francesa. Com base nisso, e de acordo com as tipologias disponíveis na plataforma Wix, escolhida para o desenvolvimento, optou-se pela fonte Sacramento, que é um manuscrito com traços arredondados, como pode ser observado na foto da Figura 1.
Figura 1. Tela de abertura da fotorreportagem "Paris pandémica"
Com textos curtos e provocativos, construi-se uma fotorreportagem com navegação horizontal (scroll bar) e vertical nas galerias de fotos, tanto no acesso a partir de computadores quanto em acessos por dispositivos móveis. Ademais, o conteúdo foi dividido em quatro sessões temáticas: "A cidade luz" (com o argumento da fotorreportagem), "Ícones da cidade" (que traz pontos turísticos emblemáticos de Paris), "O espaço público" (que convida o usuário a passear por pontos conhecidos) e, finalmente, "Realidades diversas" (que revela uma outra Paris, com desigualdades sociais e estéticas, como qualquer outra cidade populosa).
Para alcançar uma estética leve proposta, adotou-se, desde a sessão "A cidade luz" (Figura 2), o fundo branco como base para a construção da narrativa esperada. Somente assim seria possível oferecer ao usuário uma vivência cognitiva sobre Paris. Dessa forma, alimentou-se a expectativa imagética e turística presente no projeto. Ressaltamos que o termo "argumento" (texto que justifica a proposta da fotorreportagem) é oriundo do gênero audiovisual, especialmente do subgênero documentário. A adoção desse termo se justifica na ideia de Henri Cartier-Bresson (2015), para quem o documentário nada mais é do que uma fotorreportagem em movimento. Diante disso, nada mais justo e apropriado que compartilhar o termo.
Figura 2. Abertura, intitulada "A cidade luz", com o argumento da fotorreportagem
A sessão denominada "Ícones da cidade", assim como as demais sessões, possui um pequeno texto introdutório, com apenas uma linha. Isso se justifica a partir do conceito de pós-fotorreportagem (Renó, 2020), que se apoia no protagonismo da imagem nas narrativas contemporâneas. Para compensar, o tópico (e os demais) é inaugurado com uma pequena imagem icônica de Paris: o Moulin Rouge. Em seguida, oferece uma galeria de fotos com 14 fotografias de pontos turísticos parisienses. Essa galeria (e as demais disponibilizadas pela fotorreportagem) de fotos pode ser vista tanto na página original, em tamanho reduzido (Figura 3), quanto em tamanho ampliado ao clicar na imagem (Figura 4). Dessa forma, oferecemos ao usuário a condição de escolha, através de dois caminhos, por qual prosseguir.
Figura 3. Sessão denominada "Ícones da cidade", com galeria de fotos em escala reduzida
Figura 4. Galeria de fotos ampliadas
A próxima sessão da fotorreportagem, intitulada "O espaço público", seguiu o mesmo conceito estético de toda a página. Entretanto, apesar de composta por fundo branco, com título em fonte Sacramento e com uma foto em pequena escala para sugerir a temática, esta sessão inaugura a adoção de uma fotografia em panorâmica horizontal responsiva (Figura 5). Essa estética se manteve até o final da fotorreportagem, inclusive. A sessão também conta com uma galeria com nove fotos em tamanho reduzido e, opcionalmente, o usuário pode clicar sobre elas e abrir a galeria em tamanho ampliado (Figura 4), com o mesmo material.
Figura 5. Sessão denominada "O espaço público", com fotografia em panorâmica horizontal responsiva
A sessão seguinte, denominada "Realidades diversas", possui a mesma estética e poções de navegação. Porém, a sessão se difere das demais e se justifica por se tratar de uma fotorreportagem; traz um outro lado de Paris, desta vez com carros velhos, vandalismo urbano, desrespeito às leis de trânsito e um sequência de fotos que mostra a repressão aos imigrantes que comercializavam produtos ilegalmente. Ainda que a proposta desta sessão fique um pouco distanciada do turismo, que visa mostrar as características boas e agradáveis, trata-se de uma fotorreportagem de viagem. Com isso, fomos obrigados a mostrar todas as faces do local. E o fazemos com os mesmos recursos estéticos, cognitivos e de navegabilidade (Figura 6).
Figura 6. Sessão denominada "Realidades diversas"
Em seguida, chega-se ao final da fotorreportagem, contemplada por uma fotografia de Paris em panorâmica horizontal responsiva e os dados da agência de fomento à pesquisa que apoiou o projeto. Encerra-se, assim, a experiência como um convite para que o usuário possa, se desejar e tiver possibilidades, visitar com mais detalhes a cidade luz.
Observamos, com os resultados alcançados a partir da construção da fotorreportagem, que é possível construir uma narrativa que leve ao usuário um pouco da experiência de se conhecer turisticamente uma localidade. De fato, o que se tem aqui é a transposição do que, num passado recente, era denominado pelos fotógrafos "reportagem de viagem". A novidade é que o usuário substitui o leitor, o dispositivo digital ocupa o lugar do papel, o pixel passa a ser a nova tinta de impressão e, finalmente, a distribuição da reportagem sai das livrarias e ganha o mundo virtual.
Conclusões parciais
Definimos os resultados apresentados por este artigo como "conclusões parciais", pois, segundo o cronograma da pesquisa, ainda falta-nos uma etapa de aferição sobre a proposta. Até o momento, chegamos à conclusão de que é viável pensar na fotorreportagem de viagem como um primeiro contato turístico com algum local ou cultura. Porém percebemos, ao concluir esta etapa da pesquisa, que a pesquisa aplicada exige uma maior diversificação de metodologias para contemplar os necessários novos procedimentos científicos. No caso deste estudo, a Ágil Scrum foi de fundamental relevância e demonstrou-se viável, pois sustentou etapas comumente presentes no campo dos estudos de inovação digital, algo pouco observado nas tradicionais pesquisas da área de comunicação. Trata-se de um resultado que colabora de maneira expressiva com a academia contemporânea, pois ensina-nos a "olhar para outros lados" da ciência em busca de diferentes métodos de pesquisa.
Trata-se de um produto midiático que ocupa de maneira expressiva o ecossistema contemporâneo sem destruir produtos midiáticos mais antigos, como a reportagem de viagem. Ainda encontraremos os livros com reportagens de viagem à venda. Apenas contamos com uma nova formatação que pode ser facilmente compartilhada e lida por um maior grupo de pessoas.
Ademais, por se tratar de um produto midiático disponível em ambientes digitais, consideramos que o formato e a tecnologia permitem um maior aproveitamento pelo setor do turismo. É possível e factível a sua distribuição e o seu compartilhamento em canais de mídia social, assim como em campanhas de difusão por caminhos eletrônicos, o que potencializa a sua leitura.
Outra expressiva vantagem por ser um produto digital é a facilidade de compartilhamento entre usuários, através da filosofia P2P, ampliando ainda mais a difusão da fotorreportagem. A ecologia contemporânea dos meios é composta por um emaranhado de bolhas sociais. Contar com o apoio de agentes midiáticos para penetrá-las é algo de extrema vantagem para o formato narrativo.
Finalmente, é importante considerar a fotorreportagem de viagem em ambiente virtual como algo vantajoso também nos quesitos econômico e ambiental. É muito mais viável uma produção em ambientes digitais, já que os custos com impressão e distribuição física deixam de existir. De igual maneira, a natureza agradece, já que menos árvores são cortadas para a produção de celulose e menos combustíveis são gastos, pois a fotorreportagem em ambiente digital caminha por fibra ótica e por canais de satélite.
Referências
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